domingo, 12 de setembro de 2010

Capítulo Sete


Capítulo Sete

Vampiros tomam café-da-manhã?

-Debora, está acordada? - perguntou Marcus batendo na porta, como não ouviu nenhuma resposta entrou.
Ela estava deitada na cama, o fino lençol branco enrolado em seu corpo e sua respiração estava devagar e profunda, estava dormindo tão profundamente que Marcus não quis acordá-la e ficou ali, a admirando como se ela fosse um anjo, como se ela fosse a única coisa que o mantivesse vivo, ou qualquer coisa que ele estivesse.
Era possível uma pessoa que ele mal conhecia de verdade ser tão importante para ele?
Era possível ele sentir essa necessidade de ter alguém por perto sendo que ela já estava ali, a poucos metros de distância?
Então por que tudo que ele mais queria era chegar ainda mais perto?
Ele estava tão distraído em seus pensamentos enquanto olhava para Debora que nem percebeu que ela não estava mais dormindo.
-O que você está fazendo?  - perguntou ela com a voz sonolenta, mas ela parecia estar irritada ou desconfiada, Marcus nunca conseguia ter certeza de como ela parecia estar.
Daria tudo para poder estar na cabeça dela, saber seus pensamentos, estar dentro de seu coração, conhecer seus sentimentos.
-O que você está fazendo aqui? - perguntou ela de novo e ele saiu do devaneio romântico e bem brega em que estava.
-Vim acordar você, mas você estava dormindo tão profundamente que me deu pena acordá-la. - respondeu ele gentilmente dando seu sorriso mais encantador, seu sorriso nem pareceu abalar Debora e ele não sabia por que se sentia tão frustrado por causa disso. Na verdade sabia sim.
-O que você queria? - questionou ela se sentando na cama, seu cabelo estava todo embolado e ele conteve a sua mão que estava prestes a colocar cada um dos fios no lugar certo.
O que ele queria mesmo?
Ela queria mesmo ouvir sua verdadeira resposta?
-Marcus? - chamou ela ficando impaciente.
-Desculpe, ainda estou dormindo. – E sonhando com você -  Vim te avisar sobre mais uma de nossas tradições aqui em Burns.
-E qual é? Nada de ter que tirar a roupa dessa vez, não é? - ela parecia assustada, mas a idéia não era tão ruim assim... Na verdade a idéia era maravilhosa...
Foco Marcus, foco.
-No décimo quinto dia de cada mês, nos reunimos com o Líder para um café da manhã.
Isso era muito patético, assim como todas as outras tradições mantidas por seu irmão.
-Café da manhã... E por que eu tenho que ir? Por acaso todos os vampiros daqui vão?
Ela não parecia como se não quisesse ir, parecia até animada, mas teimosa como era, Marcus sabia que ela tinha que perguntar.
-Você está morando aqui na Mansão Burns e todos que moram  aqui vão. Não é um convite Debora, é uma obrigação.
Ele não iria explicar pra ela que o caso dela era diferente, que quando um vampiro era transformado ele não ficava na casa do Líder como ela, esses vampiros-novos eram mandados para uma casa ali no clã que era mais como um abrigo, uma “escola”.
E ela não precisava saber também porque o caso dela era diferente.
Ainda não.
-E o que se faz num café-da-manhã-de-vampiro sendo que vocês não comem?
-Bom... Nós tomamos sangue em xícaras e ficamos na mesa por um tempo, conversando como toda família.  - respondeu ele sorrindo, seus olhos brilhando enquanto observava o rosto de Debora.
O rosto dela já era branco, mas suas bochechas tinham cor quando ela era humana e sua palidez atual conseguiu deixá-la ainda mais bonita, o que dava contraste com seu cabelo preto que ia até a metade de suas costas.
-Isso parece tão humano. - comentou ela, assim como ele, ela tinha grandes olhos verdes, só que os dela eram de um verde escuro, e suas iris eram de um dourado claro, seus olhos eram lindos. 
-Nós ainda temos muitos hábitos humanos, e sentar a mesa e conversar é um deles. - respondeu Marcus omitindo mais coisas, como o fato de que quando ele e seu irmão estavam no mesmo cômodo da casa, “conversar” não era bem o que eles faziam.
Usar a palavra “estrangular” talvez fosse mais apropriado.
-Nós humanos sabemos tão pouco sobre vocês.  - comentou ela parecendo bastante frustrada, mas ela o encarou, seus olhos estavam curiosos, desconfiados, talvez ela tenha percebido que ele estava a encarando, então ele olhou para outro lado como um garoto pego no flagra.
“E por que ela sempre faz isso? Nós humanos, vocês vampiros... Será que ela não percebeu que faz parte do ‘nós’ vampiros agora?”  - se perguntou Marcus irritado.
-Bom, você deveria saber mais... Você já fez tantos filmes e seriados como vampiro ou como caçadora de vampiros. - comentou ele rispidamente, mas se odiando por estar usando esse tom com ela. 
Debora nem percebeu notar.
-Você assistiu aos meus filmes?  - perguntou ela de olhos arregalados por estar surpresa.
“Sim, e muitas e muitas vezes, aliás, eu sei tudo sobre você.”
-Sim, mas eles me parecem tão...
“Toscos, falsos”  - completou Marcus em sua cabeça enquanto procurava por uma palavra não muito agressiva.
-Tão toscos? Tão falsos?  - sugeriu Debora levantando suas sobrancelhas, contendo uma risada.
-Tão distantes da nossa realidade, era isso que eu queria dizer. - corrigiu ele sorrindo. Era assim mesmo que eles, os vampiros, queriam como os filmes sobre eles fossem: falsos, toscos, longe, muito longe da realidade deles.
E eles faziam de tudo para que continuasse assim.



Os dois desceram as escadas juntos alguns minutos depois e foram à sala de jantar, uma sala muito grande com uma mesa para trinta e duas pessoas, onde também aconteciam as poucas reuniões do Conselho que aconteciam em Burns.
O humor de Marcus se tornou negro assim que cruzou a porta.
Viktor, seu irmão psicopata e manipulador, estava sentado à cabeceira, onde parecia um rei. Certo que ele era o Líder de Burns, mas sua postura era como se ele fosse  o Líder de todo mundo, o rei da cocada preta.
Verônica, a Companheira Oficial de seu irmão e também sua ex-namorada, estava sentada à esquerda dele.
Luigi, o cúmplice e melhor amigo de seu irmão, ou melhor, o escravo favorito de Viktor estava sentado à direita deste.
Exatamente como estavam no dia da Cerimônia de Reconhecimento de Debora.
Agora ela podia ver seus rostos, será que ela sabia que eram eles?
Marcus olhou para ela e viu que ela estava olhando fixamente para Viktor, como se anotasse cada um de seus movimentos.
Ele conhecia esse olhar.
Todos olhavam assim para seu irmão, era o “poder” dele, causar fascinação às pessoas, ele aprendeu isso com o pai deles.
Aprendeu muito bem, para infelicidade de Marcus.
Viktor se virou, como se tivesse notado apenas agora a presença dos dois.
-Oh Marcus, você nos honrando com sua presença? A que devemos essa tão brilhante mudança?
-Bom dia, Viktor. Como todos sabem, esse cafezinho de confraternização entre as pessoas da nossa casa é obrigatório, leis do Líder, e quem sou eu para não acatar uma de suas leis? - retrucou Marcus arrastando a cadeira para que Debora sentasse.
Todos tinham lugares marcados, o lugar dela era ao lado de Verônica e o dele ao lado de Luigi, do outro lado da mesa havia outros vampiros que assentiram para Marcus quando ele sentou. Eles eram os empregados de mais alto escalão do clã, vampiros que Viktor nunca dirigia a palavra mesmo estando sentado a poucos metros de distância, exceto para dar-lhes ordens ou reclamar de seus serviços.

Um mordomo fez as apresentações à Debora, já que ela era uma cara nova ali na mesa, ao ouvir que Verônica era a “Companheira de nosso querido Líder”, ela fez um grande esforço para não demonstrar sua frustração diante de todos.
Viktor era comprometido... Mas que surpresa era essa?
Com um rosto como aquele, com todo aquele poder, como podia não ter pelo menos quinhentas mulheres atrás dele?
Mulheres humanas e vampiras.
E coloque alguns homens na lista.
Mas Verônica até parecia ser simpática, tinha um lindo sorriso que cativava todos a sua volta, mas Debora já a odiava.
Como não odiar alguém tão bonito?
Ela reconheceu Luigi mesmo sem ter visto o rosto dele aquele dia, o dia de sua Cerimônia, e quis lhe dar um tapa no meio do rosto por não ter lhe respeitado, mas acenou com a cabeça apenas.
Educação em primeiro lugar.
Às vezes.
Pareceu demorar uma eternidade até alguns empregados trazerem suas xícaras com sangue.
Ela quase bebeu tudo num gole só.
Vampiros têm etiqueta?
Ela teria.
Às vezes.
Viktor e Luigi cochichavam sobre alguns projetos, Marcus conversava com um vampiro que parecia maior que o Pé-Grande, mas quando Verônica perguntou a Debora o que ela fazia quando humana, eles se calaram.
Debora não podia negar, gostou de receber a atenção do Líder, mas também ficou aflita.
Todos aqueles olhos nela...
Mas muitos anos como atriz mandaram sua timidez para o espaço e ela sorriu quando respondeu que era atriz de cinema.
Luigi gargalhou e Viktor sorriu para Marcus que não tinha expressão nenhuma no rosto. Verônica parecia envergonhada.
-Atriz de cinema... - repetiu Viktor ainda sorrindo para Marcus.
Ela encarou um e depois o outro.
Estavam rindo dela? O que era engraçado nessa profissão? Ela teria que deixar claro que não eram filmes pornôs?
-Meu irmão sempre gostou do mundo artístico...
Comentou ele e Luigi voltou a gargalhar. Verônica parecia querer sumir.
-Cuidado para não se engasgar, Viktor. - disse Marcus rispidamente, Debora o encarou.
O que ela não estava entendo ali? O que ela não sabia? O que ela estava perdendo? Odiava piadas internas.
-Marcus, do que estão falando? - perguntou ela num sussurro, se esquecendo por alguns instantes que mesmo sussurrando todos na sala eram capazes de ouvir suas palavras.
-Não preste atenção ao que meu irmão diz, Debora, realmente não vale a pena. - respondeu Marcus secamente e com ódio em sua voz rouca.
Debora deu os ombros e resolveu deixar pra lá, pelo menos por enquanto.


Viktor começou a observar Marcus e Debora, a maneira como estavam próximos sem se darem conta, da forma em que ele olhava para ela, como se ela fosse sagrada, um cristal prestes a quebrar e ele teria que a segurar em seus braços, e Debora estava tão à vontade com a presença dele que se inclinava para frente para provocá-lo ou deixá-lo irritado, fazendo joguinhos mesmo sem querer, bem na sua frente estava crescendo uma relação entre os dois, uma relação que deixaria Marcus imensamente feliz, isso era inaceitável.
Viktor não deixaria isso acontecer tão fácil assim.
Um Líder precisa de suas horinhas de diversão.
Começou com seu joguinho de sedução, se inclinou um pouco para frente, colocando uma mão embaixo do queixo e apoiando o cotovelo na mesa, prestando atenção a tudo que Debora dizia, – fingia prestar atenção – olhando fixamente para o movimento de seus lábios ao abrir e fechar a boca enquanto falava, seus dedos compridos e finos que descansavam envolta da xícara de porcelana, encarando descaradamente a maneira em que a camisa branca dela desenhava seu corpo curvilíneo, ele viu o sangue dela correr mais depressa por baixo de sua pele pálida e suas bochechas ganharem cor, ela estava excitada porque, mesmo sem olhá-lo, ela estava ciente do olhar provocador dele.
Isso sempre dava certo, qualquer mulher ou pessoa se rendia a ele em instantes, chegava a ser tedioso de tão fácil.
Ouviu os dentes de seu irmão ranger e o rosto dele ficar irritado, sorriu por dentro.
Ah! O doce sabor de causar ciúme!

“Não acredito nisso!” - gritou irritada Verônica por sua ligação de sangue com Viktor.
Ele havia se alimentado dela fazia poucas horas e ela estava bem ao seu lado, ele podia ouvi-la perfeitamente, afinal, o sangue dela corria por suas veias nesse exato momento.
Ele a ignorou. Ela era tão fácil de manipular quanto qualquer outra pessoa, na verdade, era bem mais fácil manipulá-la, ela era obcecada por ele.
E ela sabia que ele sabia disso.
Por isso, saiu da mesa murmurando irritada algumas palavras.
Viktor entendeu algo como:
“Não preciso... blábláblá... aturar... blábláblá... bom dia...”
Nada diferente de tudo que ele sempre ouvia dela.
Viktor perguntou a Debora com sua voz sedutora quando começava o treinamento dela.
Ela olhou questionadoramente para Marcus que respondeu que começaria hoje mesmo.
Viktor brincou dizendo que seu irmão era muito apressado, que gostava de fazer as coisas muito rápido, que às vezes era melhor ir com calma, criar um ritmo até ver onde a pessoa podia chegar.
Ela disse que agüentava.
Ele perguntou como ela preferia.
Ela disse que dependia da situação.
Luigi saiu da mesa sorrindo para seu Líder quando três vampiras vieram procurá-lo para ajudá-las com alguma coisa em algum lugar.
Viktor disse que nunca é bom deixar as mulheres esperando, que elas podem ficar raivosas de vez em quando.
Debora perguntou se ele tinha medo, se ele não agüentava mulheres mais “raivosas”.
Ele disse que, na verdade, adorava.
Marcus já não agüentava mais isso, queria pular em seu irmão, queria sacudir Debora para que ela saísse do encantamento em que estava entrando... Ele queria... Ele queria... Ele queria que ela respondesse essas coisas a ele, que ela flertasse com ele.
Ele a queria para ele.
-Debora, precisamos ir, temos um longo dia pela frente. - disse ele se levantando abruptamente, ela o encarou como se só agora ela se lembrasse que ele ainda estava na mesa.
Ótimo, ele também nem ligava se ela estava ali, ele nem prestava atenção a cada respiração dela, ele nem estava ciente de tudo que ela fazia e dizia, ele nem sabia que ela existia.
-Marcus, vá com calma, deixe a garota respirar um pouco de ar sem que ele esteja infectado com você. Desde o dia em que ela chegou você a esteve rodeando, a seguindo por ai.
“Sim, Viktor. É claro que sim, eu sou o Mentor dela, é isso que eu tenho que fazer.”
Não que esse fosse um trabalho muito ruim, ele tinha que admitir que essa era apenas a desculpa que ele usava para ficar com ela o maior tempo possível.
Todo o tempo possível.
Debora o olhou sem saber o que fazer e ele quis arrastá-la para o campo de treinamento, arrastá-la para bem longe de seu irmão, arrastá-la para bem perto de si mesmo.
Mas não era isso que ela queria, então ele disse que estaria a esperando lá fora quando ela saísse.
Quando ela quisesse procurá-lo, ele estaria a esperando. Quando ela se lembrasse que ele existia, ele estaria a esperando. Ele estaria a esperando sempre.
Marcus, desde quando você se tornou tão dramático? Desde quando se tornou tão idiota?
Ele não sabia e continuava sem saber quando já estava lá fora.
Quando Marcus saiu, Viktor mudou de tática, agora era a hora de interpretar o menino carente, aquele menino que o irmão mais velho – Marcus – nunca deu atenção.
-Estou tão cansado disso, da minha relação com Marcus. Eu queria tanto poder contar com ele, poder pedir ajuda a ela quando for preciso. Ele é meu irmão mais velho, eu o considero como um pai, mas ele é tão vaidoso, tão orgulhoso, não superou não ter sido escolhido para ser o líder, ele não superou. - lamentou Viktor parecendo estar tão triste e desapontado que Debora sentiu vontade de abraçá-lo e dizer que tudo ia ficar bem, exatamente como ele queria.
Depois de transformar seu irmão num egoísta rancoroso, era a hora de interpretar o  sedutor indiferente.
Então disse que tinha que resolver uns problemas, que estava sempre muito ocupado – ah! Como é difícil ser um líder – e que eles se veriam por ai.
Beijou a mão dela por mais tempo que o habitual e saiu apressado, antes que ela pudesse dizer alguma coisa.
Deixou para trás uma Debora que suspirava feito uma menina apaixonada, uma menina que já estava mais que atrasada para seu primeiro dia de treinamento com um instrutor que sofria de transtorno bipolar.


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