domingo, 1 de agosto de 2010

Capítulo Três


Capítulo Três


Talvez tivesse se passado meia hora, uma semana ou dois anos, Debora não saberia dizer quando despertou ofegando por ar como se tivesse ficado embaixo d’agua durante muito tempo.
Mas algo estava errado, respirar fundo foi exagero, não precisava disso.
Tudo parecia ser um borrão, os sons estavam altos demais para seus ouvidos que pareciam estar muito sensíveis, sua cabeça latejava e em sua boca tinha um gosto de ferro e sua garganta...
Ah sua pobre garganta...
Essa doía como nunca antes, estava seca e áspera, como se ela tivesse mesmo engolido ferro.
Ela levantou cambaleando, tonta, tudo girava em sua volta e tudo parecia estar muito mais colorido, vívido.
Estranho.
Teve que se focar para ver o que estava na sua frente, a televisão desligada, mas parecia que alguém tinha clicado no botão ‘zoom’ do controle de sua visão, pois a televisão estava tão próxima, ela balançou a cabeça e tudo voltou ao normal, quase.
-Essa vai ser a pior ressaca de todas e eu nem tomei nada demais ontem... - resmungou ela pra si, esfregando a mão em sua cabeça, tentando aliviar a dor, apesar de algo pinicar em seu cérebro, uma voz dizendo que tudo iria ficar bem, que agora ela estava bem.
Realmente estranho.
-Seja bem vinda. - a voz de seu cérebro disso... Não, essa voz não veio de seu subconsciente, não dessa vez.
Se virou rapidamente para encontrar o dono da voz, rápido demais percebeu, e antes de dar um beijo no chão, um homem a segurou.
No início ela não sabia o que estava fazendo, o que estava acontecendo, só ficou ali, entre os braços que a seguravam encarando um rosto fracamente familiar, encarando olhos verdes que a olhavam com preocupação, estava em transe.
“Tudo vai ficar bem, só tenha calma” - disse a voz em sua cabeça, a despertando e ela se jogou para longe do estranho.
 -Quem é você?  - perguntou Debora tentando focalizar o rosto do homem que estava em sua casa, mas ela estava tonta demais para reconhecer alguma coisa e seu corpo todo doía, como se seus ossos estivessem sendo espremidos.
Por um segundo ela achou que esse homem era o cara que ela viu no restaurante, mas ela estava muito tonta para achar alguma coisa e acreditou que ainda podia estar sonhando, não era uma má idéia.
-Depois de tudo que fizemos você me olha assim e diz: “quem é você?”? - perguntou ele que estava jogado no sofá em frente à Debora, um tom sarcástico enfeitando sua voz grossa, um sorriso satisfeito em seus lábios.
Oh, droga, isso não estava acontecendo, certo?
-Do que você está falando? Eu já me deparei com essa situação antes, de acordar tonta e com um cara que dormiu comigo, mas seriamente? Você não faz o meu tipo. Estava bêbada demais, não? - disse Debora completamente tonta e com raiva, mas não querendo demonstrar fraqueza enquanto ia para o banheiro.
“Que merda que eu fiz ontem?”  - perguntava para si mesmo cambaleando pelo corredor sabendo que seus pensamentos não estavam coordenados e que talvez essa não fosse a pergunta mais importante.
O homem soltou uma gargalhada altíssima para a resposta de Debora, uma risada que soava mais como instrumentos perfeitamente afiados.
Debora molhou o rosto com água gelada, o que não ajudou muito porque sua pele parecia muito sensível e voltou correndo, quase caindo, e perguntou:
-Eu não fiz aquela maldita dancinha não é?
O homem continuou gargalhando alto enquanto Debora o encarava com vergonha e com muita raiva.

-Ah! Merda... Eu fiz! - disse ela rispidamente.
Ele levantou uma sobrancelha para a cara irritada de Debora, ele agora estava trancando sua risada.
Não sabia o que era pior: ele rir abertamente dela ou debochar dela.
Certo, nenhuma das alternativas era atraente.
-Eu estava tão bêbada assim? - perguntou ela num sussurro, colocando as mãos sobre o rosto ainda molhado, tentando esconder o embaraço, e tentando aliviar a dor que se espalhava por seu rosto.
-Você não se lembra de nada mesmo? - perguntou o homem se aproximando, deixando seriedade e preocupação invadir sua voz e expressão.
É, bem estranho, para dizer o mínimo.
- Olha, desculpa, mas não, eu não me lembro de nada. Deve ter sido muito ruim o que aconteceu entre nós. - respondeu ela irritada e o provocando, mas ele a ignorou.
-As coisas começarão a ficar confusas a partir de agora, tudo parecerá exagerado, grande demais, visível demais... As dores? Bom, elas ainda vão durar alguns dias, afinal, seu corpo está “renascendo”, depois você agradecerá por isso, acredite. Terá náuseas, essas serão insuportáveis, e a falta de apetite será uma benção. O pior será a sede, uma sede insuportável. Imagine um cara andado por horas no deserto do Saara. Imaginou? Será pior, mil vezes pior.
- Listou ele como um médico que estava a alertando dos efeitos colaterais de algum remédio, o tom sarcástico havia sumido, mas  o de preocupação ainda estava  lá.
-O que você me deu? - Gritou ela quase chorando de dor, enquanto se jogava no sofá e apertada seus braços, deitando em posição fetal, se contorcendo de dor. Parece que as palavras desse cara insuportável e misterioso tinham despertado a dor que ela quase havia se esquecido.
Quase.
-Vida.- responde ele simplesmente.
Debora não percebeu e nem sabe como ele chegou perto dela tão rápido, pois ele respondeu a sua pergunta em seu ouvido, como se estivesse a contando algum segredo, seu hálito gelado e agridoce contornando o rosto dolorido de Debora.
-O quê?! - exclamou ela se sentindo completamente indefesa perto desse homem estranho, seu grito a fez se sentir muito mais dolorida, se é que era possível.
-Você faz idéia do que eu sou? - perguntou ele ainda próximo de Debora, seus rostos a centímetros de distância, seu tom era de preocupação, mas também era como se ele estivesse se preparando para lançar uma bomba, literalmente.
E aquela voz no cérebro de Debora dizia baixinho para ela prestar atenção naquele cara ali na frente dela, ela ignorou a voz.
Foi fácil, até.

-Sei! - gritou Debora virando de costas para ele.
-Sabe? - perguntou ele incrédulo, sua resposta o pegou desprevenido, ela teria rido da expressão surpresa dele se rir não doesse tanto.
-Sei! È um pervertido, um louco! Um desses caras que não tem o que fazer e invadem casas de mulheres indefesas e as droga para que elas transem com você, o pior tipo! Seu depravado filho da puta! - gritou ela, cada palavra que ela soltava, a causava mais dor, como se a cada palavra, ela levasse uma facada em algum órgão vital.
E a parte do “mulher indefesa” seria cômica em qualquer outro momento, não agora.
-Não, eu sou um vampiro. - respondeu ele simplesmente, a olhando nos olhos, Debora podia jurar que aquele olhar era de ofendido, mas ele estava muito sério e ela muito tonta.
E aquela voz em sua cabeça dizia:
“É verdade, confie... Vamos, acredite!”
Assim que as palavras entraram na cabeça de Debora, e ela ouviu o absurdo que ele havia dito, ela soltou a gargalhada mais dolorida de sua vida.
-Foi o idiota do Vinicius que te mandou me drogar?! - perguntou ela irritada, como o homem não respondeu, ela se contorceu ainda mais de dor ou raiva.
Talvez fosse dos dois, já não sabia de nada.
 -O que os homens não fazem por causa do orgulho ferido, não? Chegam a isso! - supôs ela se contorcendo no sofá.
Se contorcer virou o exercício favorito de seu corpo, ela percebeu.
O homem a lançou um olhar de preocupação novamente, a cada grito que Debora dava, parecia que doía nele também, mas ela achou que só estava imaginando ou que ele devia estar se sentindo culpado.
-Ninguém me mandou aqui, Debora. - disse ele firmemente, seu nome soou bonito na voz dele.
Ok, estava enlouquecendo agora.
-Sou um vampiro e a partir de hoje você também é. - afirmou ele seriamente, como se tudo que ele falasse fizesse sentido e fosse uma coisa óbvia que Debora não conseguia entender.
E em alguma parte do cérebro dela isso realmente fazia sentido, todo o sentido do mundo.
Debora soltou outra gargalhada que fez doer até sua alma.
Já não estava enlouquecendo, estava louca já.
-Não... Não... No começo até estava parecendo coisa de louco, mas agora é coisa de louco... Por favor, senhor vampiro, saia da minha casa. - disse Debora ironicamente por cima de sua dor.
Como ela ainda conseguia falar era um mistério.
-Debora, olha para mim! - ordenou ele quando Debora estava de olhos fechados por causa da dor.
Ela não obedeceu e fechou os olhos ainda mais, exatamente como faria uma criança birrenta.
“Mas quem ele pensa que é? Me dando ordens agora. Argh!” – ela disse pra si, irritada ainda mais com aquele homem maluco.
-Por favor, olha para mim, Debora, por favor... - implorou ele tocando o queixo de Debora, levantando seu rosto.
Algo pedia para que ela abrisse mesmo os olhos e olhasse para ele, prestasse atenção em tudo que fosse falar e que acreditasse.
Ela ignorou isso e dessa vez foi difícil.
Como Debora não abriu os olhos, ele suspirou alto e mais uma vez, seu hálito gelado passou pelo rosto de Debora, a causando um estranho arrepio, ele tirou sua mão do queixo dela e respirou fundo e disse:
-Eu mordi você, bebi seu sangue, você morreu. –A palavra ‘morreu’ saiu meio quebrada e dolorida e Debora não entendia porque, também não se importava - Lhe alimentei com meu sangue, você voltou e agora é um vampiro, assim como eu. - terminou ele seriamente, de olhos fechados, Debora sabia que ele estava de olhos fechados porque ela o espiou rapidamente antes de cerrar seus olhos mais uma vez.
Yeah, infantil...
Debora, olha para mim, por favor... - implorou ele mais uma vez, e Debora abriu seus olhos e ele estava com os olhos cinza e seus caninos afiados a mostra.
-Deve ter umas quinhentas dessas dentaduras de plástico lá no camarim do set. - atirou Debora rindo dolorosamente do coitado homem que se dizia vampiro.
Apesar de tudo fazer sentido em algum lugar.
Era como se algo dentro do seu ser tivesse certeza de que era verdade, não porque ele estava dizendo e sim porque ela... Ela sentia.
Ela sentia que ele não era vivo, não era... Humano.

-Mas as que têm no camarim do set, não são capazes de fazer isso que eu fiz em seu pescoço. - respondeu ele seriamente, quase irritado, como se ela tivesse o ofendido, dizendo que suas presas eram de mentirinha ou por qualquer outra coisa.
Automaticamente Debora levou a mão ao pescoço, do lado direito não tinha nada, mas do lado esquerdo...
Ela podia sentir alguma coisa, como uma ferida que estava se cicatrizando, mas era terrivelmente dolorida.
Ela correu para o banheiro e parou na frente do espelho e o que ela viu a deixou desesperada.
Nada.
Não tinha nada no reflexo do espelho, era como se ela não estivesse ali.
Sua respiração ficou pesada e ainda mais dolorida e seus olhos ficaram cheios de lágrimas grossas e pesadas, achando que estava ficando louca, ela socou o espelho com toda a força que tinha, o espelho se despedaçou e parte da parede caiu na pia.
De sua mão e de seu pulso jorrava sangue, mas seu corpo já estava dolorido demais para ela sentir isso... “Não, não pode ser... Eu estou ficando louca...”
- dizia para si mesmo freneticamente.
“Não, está tudo bem... Tudo vai ficar bem” - dizia a voz do homem em sua cabeça. Ou ela imaginava isso.
-Por favor... Não se machuque... Por favor... Seu corpo não é capaz... Não é capaz de se curar rapidamente ainda... Não faça isso... Comig... Com você... Não faça isso com você, por favor... - implorou ele, seus olhos estavam doloridos, mas estavam verdes agora, verdes e implorativos, ele parecia estar sentido a dor de Debora, mas ela não se importou, ele era louco e estava a deixando louca também.
-Não me toque! Saia de perto de mim!
- gritou ela puxando sua mão e correu para seu quarto, ignorando outra vez aquela parte do seu ser que dizia que tudo estava normal, que tudo estava bem, que tudo iria ficar bem.
Ao entrar em seu quarto, trancou a porta e pegou seu telefone, sua mão ensangüentada manchando as teclas brancas do teclado enquanto ela ligava para a policia.
“Oi...Tem um homem aqui em casa, ele invadiu, ele me drogou e eu me sinto tão mal... Ele é louco, diz que é um vampiro e até me mordeu... Por favor... me ajudem...”
A ligação foi cortada.
O homem estava ao lado da cama de Debora a assistindo como se ela fosse um filme.
 - Você não devia ter feito isso. - disse ele brincando com o fio do telefone que ele havia arrancado da parede.
-Eles não vão vir, e se vierem irão te chamar de louca, você sabe disso.
-continuou ele completamente calmo.
Ela a olhou com medo e se encolheu ainda mais perto da porta, seu corpo ainda doía muito, mas a adrenalina estava a deixando tonta, e ela estava perdendo bastante sangue daquele corte em seu braço.
O homem tinha em sua mão uma colher de prata que brilhava quando ele a movia de um lado para o outro.
Debora reconheceu aquela colher, era um presente de sua mãe, ela havia ganhado um jogo de talheres de prata há muitos anos e agora esse maluco estava brincando com a sua colher!
A raiva subiu pela cabeça de Debora e ela se jogou em cima dele, tentando pegar a SUA colher.
Pensar em colheres não era bem uma prioridade no momento, ela sabia, mas tudo estava fora do lugar mesmo, nesse momento a colher se tornou realmente importante.
-Me dá isso, seu ladrão, seu estuprador, seu... seu... - gritava ela tentando pegar a colher da mão do homem que brincava com ela, esticando seus braços para que ela não alcançasse.
Os dois estavam deitados na cama, Debora em cima dele, tentando pegar a colher, mas ela se sentiu tonta e despencou para o lado.
 -Debora, Debora... - chamou ele, sacudindo o rosto dela para que ela acordasse, seu toque era gentil, cuidadoso, ela se sentia feita de vidro e era assim como ele a tratou.
O homem já tinha soltado a colher e estava na frente dela e no reflexo, ela se viu.
Quando ela viu seu próprio reflexo na pequena colher de prata ela se assustou, e pulou para fora da cama, quase caindo por estar tonta.
-Nós somos refletidos na prata.
explicou ele vendo a confusão no rosto dela.
-Nós que você diz, os vampiros? - perguntou ela com uma risada histérica, apesar de isso parecer... Certo.
-Sim. - respondeu ele seriamente.
Debora riu novamente e todo seu corpo doeu.
Ela se jogou no chão, sentando-se.
-Se você é um vampiro, como entrou na minha casa? Pensei que os vampiros só entrassem se fossem convidados...  - perguntou ela se sentindo a mais idiota do mundo por perguntar isso, é claro que ele não era um vampiro, é claro que ela estava ficando louca, é claro que ela estava drogada e ele era uma alucinação.
E é claro que nada do que ele dissesse seria verdade, verdade?
-Acredite, você me convidou. - respondeu ele presunçosamente, com um inocente sorriso surgindo nos cantos de sua boca.
Ela fechou os olhos, imaginando que quando os abrissem novamente, ele não estaria aqui em seu quarto, que quando ela fosse ao espelho perto de seu armário, seu reflexo iria estar lá imitando tudo que ela fazia, tudo isso era um pesadelo, o pior dos pesadelos.
Mas por que toda aquela dor parecia tão real?
Por que ela sentia o sangue quente escorrer pelo seu braço?
Por que esse homem, que ela jurava ser o mesmo homem do restaurante, estava ali, tão perto dela que ela podia sentir seu hálito em seu rosto novamente e isso era tão real?
Ela abriu os olhos rapidamente e o encontrou ali, a cinco centímetros de distância de seu rosto, a encarando fundo nos olhos.
Ela se afastou, mas percebeu que suas costas já estavam encostadas na parede gelada, e se apavorou.
Ele percebeu que tinha a assustado e deu um passo para trás, sua expressão era ilegível, mas ele parecia magoado.
Ele mexeu no bolso de seu longo casaco preto e tirou uma pequena faca que brilhava igualmente a sua colher de prata.
Debora achou que ele ia a matar, ele deu um passo para frente e ela prendeu a respiração e uma idéia louca de pular por cima dele pareceu genial. Certo, como se ela pudesse pular tão alto. Sonha menina, sonha.
-Vou fazer você acreditar em mim, Debora. - disse ele por cima do barulho que as sirenes faziam ao fundo.
Ele segurou a faca com a mão direita e passou a lâmina na palma de sua mão esquerda.
-Você está louco?! - sufocou ela em pânico, e claro que ele era louco.
Mas antes que ela pudesse dizer mais qualquer outra coisa, ela sentiu uma dor horrível em sua garganta e seus olhos verdes se tornaram cinza e frios, seus caninos cresceram e se tornaram mortalmente afiados, ela sentiu a mudança e era como se estivesse fora de seu corpo, assistindo a cena de fora, porque a viu mudando a cor dos olhos e as...Oh meu Deus, as presas nascendo.
-O que está acontecendo comigo?! - pediu ela encarando a mão ensangüentada do homem.
-Você está se transformando. - respondeu ele com serenidade, nem parecia que estava com a mão sangrando.
Em meio segundo, ele atravessou o quarto de Debora e a trouxe a colher de prata para que Debora pudesse se refletir, ela não conseguia se mexer, simplesmente esqueceu de como se fazia isso.
Ela viu uma criatura muito mais bonita do que ela se considerava, com olhos cinza assustadores... E na boca...
Seus dentes eram muito mais brancos, e seus caninos...
Seus caninos eram compridos e afiados, ela passou a língua por eles e sentiu sua língua rasgar levemente.
-Olha para mim! –exclamou ela assustada, mas se dando conta - e se achando a pessoa mais louca do mundo - de que era verdade, ela era de fato um vampiro e que isso não era loucura nenhuma, era real, de verdade.
Sim, muita loucura.
O homem se aproximou dela devagar, e o cheiro de sangue invadiu a garganta dela, e ela podia sentir o gosto doce e chamativo em sua boca, apesar de não realmente o que ela queria... Ela queria algo assim?
-Beba. - disse ele num sussurro, sua voz bem mais grossa e rouca do que antes.
-Não, eu não vou fazer isso! - disse ela balançando a cabeça, mas ela queria... E isso era nojento... Mas ela queria... Ela estava mesmo ficando louca, mas isso era tão certo, tão natural...
-Debora, por favor... -ele implorou e Debora não se mexeu, ele se aproximou ainda mais e colocou sua palma na boca de Debora que estava distraidamente aberta.
Debora não sabia o que fazer, no inicio parecia que ela estava beijando a mão dele, mas em menos de um segundo, o que tinha dentro dela a ganhou e ela estava sugando o sangue doce do homem vampiro...
E isso era tão bom, o gosto era melhor do que qualquer coisa... Era simplesmente certo.
Mas ela percebeu o que estava fazendo e o empurrou com força, enojada com ela mesma, e estranhamente ela já se sentia melhor, pelo menos não estava mais tonta.
Ele se aproximou novamente, segurando ela nos braços, quase num abraço.
  -Debora, eu vou abrir a porta para os convidados que você chamou, e você vai sorrir e concordar com tudo que eu disser aos policiais. E não diga nada além do necessário,
certo? - ordenou ele perto de seu ouvido, ainda a segurando, seus olhos a olhando bem fundo e ela quase disse sim, pois isso era o que o traidor do seu cérebro queria que ela dissesse.
-E se eu não quiser? - retrucou ela como uma criancinha, saindo do abraço dele.
“Que mania ele tem de me tocar!” - pensou ela irritada por ele estar a dando ordens novamente e mais irritada por tudo parecer ter sentido.
Mas os loucos não acreditam nas próprias loucuras?
-Se você não quiser fazer isso, está bem, não faça, mas explique a eles como você se transforma, explique a eles que você é um vampiro agora sem que eles chamem você de louca. E se eles acreditarem em você, bom... Terei de me livrar deles. - respondeu ele dando os ombros enquanto se arrumava em frente ao espelho. Que estúpido ele era, pensou Debora, ele estava só imaginando sua figura diante ao espelho que ainda não refletia nada, mas ele parecia tão despreocupado, tão confiante e depois ele encarou a mão já cicatrizada e largou um sorrisinho metido.
Raika começou a latir e a pular, os policias já estavam do outro lado da porta, Debora já podia senti-los, como exatamente ela fazia isso, ela não fazia a menor idéia.
-Está bem, vamos lá então... - concordou ela relutantemente e de mau-humor e até porque se esses humanos estavam em perigo por causa dela não era justo.
“Esses humanos?” Como assim?
Ele a puxou para perto e só o que separavam seus rostos agora eram inúteis centímetros.
-O que é? - perguntou ela se soltando dele.
-Vamos limpar isso antes deles bateram na porta. - respondeu ele segurando o braço machucado de Debora novamente.
-Mas não vai dar temp... - Aantes que ela pudesse terminar de falar, ele colocou um dedo nos lábios dela para que ela se calasse e tudo pareceu acontecer em câmera lenta:
Ele pegou o braço machucado de Debora, tomou fôlego e começou... Começou a lamber os cortes que agora apareciam por causa da pele mais limpa...
Os cortes não doíam, mas incomodavam e eram tão feios e assustadores.
Ela queria tirar seu braço dali, mas ela ficou hipnotizada e chocada enquanto ele lambia seus machucados, mais chocada ela ficou quando percebeu que os cortes estavam cicatrizando e, em menos de dois segundos, não havia mais nenhum arranhão, e não havia cheiro de saliva... Era só um perfume no ar... O mesmo cheiro dele, agridoce e... Então ela puxou seu braço.
-Isso foi nojento! - ela disse irritada, fazendo com que ele saísse de seu transe, e quando ele abriu os olhos ele parecia estranho, feliz, mas incompleto, Debora não sabia o que aquele olhar significava, mas nem queria saber afinal de contas.
Ele se aproximou dela novamente e arrumou seu cabelo e a deu um sorriso, ela reconheceu esse sorriso...
Sim, ele era o cara que ela viu no restaurante.
Sim, ele estava a seguindo.
Sim, ele era assustador.
Enquanto ela juntava as peças do quebra-cabeça em sua mente, bateram forte na porta cinco vezes, quase a arrombaram.
Debora respirou fundo e abriu a porta de seu quarto e seguiu para acalmar Raika que ainda latia nervosamente, enquanto o vampiro abria a porta para os policias.
-Posso ajudar? - ele perguntou fazendo um olhar confuso e completamente simpático.
Os policiais o olharam atordoados por segundos, como se não lembrassem do que foram fazer ali, mas um deles deu um passo pra frente, como se isso fosse um ato de coragem titânico.
Eles eram cinco, mas apenas esse se moveu andando relativamente devagar e prendeu o vampiro que sequer se moveu, mas não perdeu o contato visual com os outros.
-O que está havendo aqui? - perguntou Debora fingindo estar confusa e preocupada com o vampiro.
“Levem-no embora, por favor, levem-no embora!” - ela repetia em sua cabeça desejando que um dos cinco enormes polícias armados pudesse ler mentes, sim, ela estava ficando cada vez mais louca.
Um deles a olhou como se entendesse o que ela estava dizendo, como se o pedido dela fosse ser realizado.
Mas do nada, ele se virou e encarou o vampiro, como se era para olhar apenas para ele.
Estranho.
-Recebemos uma ligação nos informando que havia um seqüestrador nessa casa. - respondeu o policial que estava segurando o vampiro no chão, enquanto os outros quatro revistavam a casa, com as armas engatilhas, apesar de estarem o fazendo como zumbis.
O policial levantou, levando com ele o vampiro, deixando os dois de pé. O policial não parecia saber o que estava fazendo, sua cabeça parecia um ventilador, girando para todos os lados, como se alguém fosse lhe explicar o que ele teria que fazer agora, ou quem ele era.
O movimento de seu pescoço carnudo fazia a garganta de Debora arder, ela sentiu seus olhos mudarem de cor e as presas incomodando sua gengiva, querendo sair...
Tudo cheirava a sangue.
À comida.
O que ela estava pensando?
-Pare de se mexer. - ordenou o vampiro ao policial-cabeça-de-ventilador. E por mais estranho que pareça, o policial parou.
Sim, estranho.
Debora o olhou e aquela voz em sua cabeça voltou a dizer que tudo iria ficar bem... Seus olhos voltaram a ficar verdes, ela não sabia como sabia disso, apenas... Sentia.
Em menos de um minuto de busca inútil, os outros policiais voltaram para a sala e encaram o vampiro, como se estivessem esperando por ordens.
-Diga a eles, Debora... Diga a eles que eu não sou um seqüestrador, que nos conhecemos, diga a eles. - ordenou o vampiro sem perder o contato visual com todos os policiais perdidos.
Ela não queria respirar fundo porque sabia que um cheiro bom – droga! – iria invadir sua garganta, então ela disse com a boca quase fechada:
-Ele não é um seqüestrador, ele é meu... Meu namorado. - disse ela incerta e odiando cada palavra que saia de sua boca.

O policial que ainda estava segurando os pulsos algemados do vampiro, a olhou intensamente, como se soubesse que isso não era o certo, que ela estava mentindo.
-Faça com que ele acredite, Debora.  - ordenou o vampiro e ela tentou:
-Não há perigo aqui, ele é meu namorado... Deve ter havido um engano...
Era bom ser atriz, ela pensou, assim mentir era mais fácil, apesar de tudo.
-Mas a ligação que recebemos foi desse apartamento, senhora... Estamos aqui para ajudá-la. - ele parecia incerto, mas teimoso. Seu olhar era confuso, mas parecia que ele sabia que tinha que dizer essas coisas. Soava como uma gravação.
-Faça melhor que isso, Debora. - ordenou o vampiro novamente. Os outros policias pareciam paralisados o encarando e ela entendeu uma coisa:
O único policial que não estava tendo contato visual com o vampiro era justamente o único que parecia são, ou quase isso, pois os outros pareciam perdidos, confusos, quase estátuas de carne, osso e sangue... Sangue...
-Debora... - chamou o vampiro sem olhá-la e ela se lembrou do que devia fazer.
-Não preciso de ajuda, está tudo bem aqui... Não há nada de errado. - ela olhou bem fundo nos olhos escuros do policial até que o olhar dele ficou desfocado como os dos outros e depois de alguns segundos, ele balançou a cabeça, como se acordasse de um transe.
-Pelo visto, está tudo em perfeita ordem aqui... Não há nada a ser feito. - disse ele aos outros policiais que, assim como ele, balançaram as cabeças e pareçam acordar de sonho...
-Então, será que pode me soltar, senhor? - perguntou o vampiro parecendo levemente irritado, ou talvez até mesmo divertido com aquilo tudo. Debora não conseguia lê-lo, sem contar que chamá-lo de “vampiro” era muitíssimo estranho, ela sentia que devia chamar os policias de “humanos”, como se eles fossem diferentes dela.
-Sim, claro... Desculpem esse incômodo. - respondeu um dos policiais desprendendo as algemas dos pulsos do vampiro que passou as mãos por eles como se estivessem doendo.
Debora tinha o pressentimento que era fingimento.
Mais algumas palavras foram trocadas entre os policias e o vampiro, mas Debora não prestou atenção... Ela queria dizer para eles que deviam prender o cara-vampiro e mandá-la direto para um hospício.
-Gostaria de repetir que nos sentimos muito constrangidos por esse mal entendido, senhor...? - perguntou o mesmo policial que havia desprendido as algemas do vampiro.
-Marcus Burns.
Debora olhou surpresa para o vampiro, essa era a primeira vez que ela ouvia seu nome, era como se estivesse o conhecendo somente agora e estranhamente – hoje era a noite do ‘estranho’ – ao ouvir o nome “Burns”, ela sentiu algo pinicar seu sangue, como um reconhecimento...
Marcus a olhou e sorriu, como se soubesse o que estava acontecendo.
-Estão juntos há muito tempo? - perguntou o policial-cabeça-de-ventilador também notando algo entre eles. Esse cara até que era bem intuitivo, pensou Debora.
-Sim. - respondeu Marcus seriamente.
-Não. - respondeu Debora ao mesmo tempo.
-Não.
-Sim. - disseram novamente, agora em ordem invertida.
Debora teria caído no chão de tanto gargalhar se isso tivesse acontecido em outra hora, agora? Agora ela estava aflita.
E o que o vampiro fez? Ele girou os olhos e se concentrou novamente no policial espertinho.
-Sim... Estamos juntos há muito tempo, mas isso não é importante... Certo? - os olhos do policial perderam o foco por meio segundo, depois ele sorriu.
-Claro que não... Bom, acho que vamos embora. - disse o policial e o restante assentiu, Debora sentiu sua garganta soltar um coro de “aleluia”, pois no momento em que eles fossem embora, a dor e queimação que tanto a incomodavam iriam embora com eles...
Bem, ela tinha a leve impressão que isso não iria acontecer...
Todos já estavam no corredor, quando o último policial, o que parecia mais bobo de todos que nem nos filmes de comédia americanos, se virou e fitou Debora dos pés a cabeça.
O vampiro levantou as sobrancelhas o encarando e Debora também o encarou.
-Hei, eu conheço você de algum lugar... - ao dizer isso, os outros policiais voltaram e analisaram Debora também. Marcus trancou uma risada e Debora queria se esconder.
-Você não é atriz que fez ‘Dentes sujos de sangue’? - perguntou ele timidamente e os outros policiais fizeram algo como: “ah, é mesmo, é ela”.
-Sou... - respondeu ela, mas a resposta saiu mais como uma pergunta.
Ela ainda era a Debora atriz?
Quem ela era agora, ou melhor, o que ela era?
-Será que você poderia me dar um autógrafo?
-Ah! Sim, claro. - respondeu ela surpresa.
‘Sim, ela estava tendo um pesadelo’.
Era tudo fora da realidade nesse mundo onde ela estava.
Enquanto ela controlava sua mão para não tremer para escrever seu nome na folha amarela do bloquinho...
Ela olhou para Marcus e viu que seus olhos brilhavam, mas estavam concentrados no policial que lhe pediu o autógrafo...
Alguma coisa lhe dizia que havia sido ele, Marcus, quem ‘induziu’ o policial a fazer isso... Como e por que, ela não sabia... Mas sentia...
Era como um presente, um pedido de paz...
Debora entregou o autógrafo ao policial e em dois minutos, ela e Marcus estavam sozinhos novamente e o silêncio invadiu a sala, só o que se ouvia era a respiração de Raika e o barulho que sua cola fazia indo de um lado para outro, feliz.
-Parabéns, você é uma boa atriz. - disse Marcus se aproximando de Debora, ela se afastou irritada e se jogou no sofá com as mãos no rosto.
Seu corpo ainda doía muito e sua garganta apertava, queimava, pedia alguma coisa que ela não sabia o que era.
Está bem, ela sabia o que era, mas não queria se imaginar bebendo sangue novamente, isso era repulsivo demais até para ela.

-Você está bem? - perguntou ele sentando-se próximo a ela.
-Vamos supor que tudo isso seja verdade... - disse ela ainda com as mãos no rosto.
-Sim, isso é verdade. - respondeu ele seriamente.
-Então como vai ser daqui para frente? No que eu me tornei? Por que você fez isso comigo? O que eu te fiz para você me matar? Eu sou imortal agora? Como fica minha vida? Ah! Me esqueci... Eu morri... Como fica tudo agora? - surtou ela às lágrimas, ela estava chorando, mas não queria que ele a visse, era humilhante demais, então continuou com as mãos tapando seu rosto.
Marcus se abaixou em frente a ela, tirou as mãos que cobriam seu rosto e a olhou nos olhos.
-Você terá de confiar em mim Debora, eu vou te explicar tudo, prometo... Mas temos que sair daqui. - visse ele limpando as lágrimas que escorriam pelas bochechas de Debora.
-Confiar em você? Por quê? Você me matou! - gritou ela saindo de perto dele.
-Por favor, venha comigo... Está ficando tarde... - implorou ele tentando se aproximar novamente, mas pela primeira vez, ele não o fez, talvez ela tenha percebido que Debora não gostava de seu toque, e isso o matou por dentro, antes que ela percebesse, ele refez sua expressão e colocou uma máscara de indiferença no rosto.
-Tarde? - perguntou ela olhando para o relógio, era quase cinco da manhã.
Essa noite não ia terminar nunca?! Ainda era a mesma noite? Ela acreditava que não, devia ser segunda-feira ou terça já.
-Vai amanhecer, nós temos que ir antes que o sol apareça. - explicou ele indo em direção à porta e esperou por ela.
Debora soltou uma risada histérica que a fez se lembrar do quanto seu corpo estava dolorido e comentou:
-Vai dizer que a historinha de queimar no sol é verdade? - perguntou ela descrente.
Ele levantou uma sobrancelha e disse:
-Infelizmente é, vamos...
Debora riu novamente com sua impaciência, mas essa risada era de nervosismos, sim, mais uma vez ela acreditava que estava ficando louca.
-Para onde vamos? - Perguntou ela quando ele abriu a porta.
-Confie em mim, por favor... - pediu ele estendendo uma mão para que ela pegasse, agora seria escolha dela.
Meio tarde pra isso, não?
-Não sei se posso ou devo... - sussurrou ela olhando para a sua mão estendida, a mesma mão que há minutos – não eram anos?- atrás ela sugou seu doce sangue, essa memória fez sua garganta queimar.
-Você pode, é só querer... - disse ele com seu olhar apelativo, Debora segurou sua mão e foi.





















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