• Capítulo Dois •
Então Debora virou-se lentamente enquanto tremia e seu rosto suado pela tensão e pânico ficou completamente vermelho.
De vergonha.
-Rodrigo me disse que você não estava passando muito bem, vim ver como você está... - explicou Vinicius sentando-se no banco do motorista.
-E onde ele está? - perguntou ela completamente irritada e não fazendo esforço algum para disfarçar como se sentia.
-Ele foi ao banheiro. - respondeu ele a olhando nos olhos de uma maneira que a deixava mais irritada ainda, se é que era possível.
-Você não gosta muito da minha presença.
Palmas, palmas... Vinicius acaba de ganhar o prêmio de melhor perspicácia do mundo, parabéns!
Está bem, ela estava irritada, assustada, quase louca, mas ele não merecia ser tratado assim. Ela não era tão vaca para descontar nele.
Ok, isso irá ser doloroso.
-Vinicius... Não é isso... - disse ela se sentindo envergonhada por ter que mentir. Mas era atriz, mentir estava no sangue já, ele que não percebesse.
-O que é então? Quando nos conhecemos, você era bem diferente, no primeiro dia você me tratou bem, bem até demais, e eu achei que estava rolando um clima, sabe... Mas tudo mudou assim do nada, e eu fiquei sem entender. – disse ele voltando a olhar nos olhos, Debora olhou para suas mãos que estavam descansadas em suas pernas.
Isso era verdade. Digamos que ela chegou a dar em cima dele na ocasião, mas essa coisa de flertar, dormir com o cara, ficar com ele um tempo e depois os dois não se falarem mais era tão... Vazio.
Ela não achava mais graça nisso.
Certo, estava mesmo louca.
-É que eu não gosto de envolver minha vida amorosa com a profissional.
A desculpa esfarrapada foi a melhor que ela conseguiu pensar no momento, ela ainda estava com medo daquilo que estava lá fora, ainda estava com raiva de Rodrigo e estava envergonhada por ter que mentir para Vinicius, se eles não estivessem contracenando juntos nesse filme, ela já teria o mandado para bem longe há muito tempo atrás, só estava tentando fazer com que as coisas não ficassem ainda mais insuportáveis naquele set.
-Ah! Entendo... - disse ele um bom tempo depois.
Enquanto ele brincava com o chaveiro do Rodrigo, Debora deu três toques para o celular de Rodrigo, para que ele a salvasse.
Aquela situação era ridícula, se tinha pensado que pareciam adolescentes antes, o que eram agora?
Vinicius era um cara bonito, só que não era o que ela queria. E mesmo que isso não importasse antes, agora importava. Loucura, certo.
E em dois minutos Rodrigo estava ali, abrindo a porta do motorista.
Vinicius se despediu num segundo, dizendo que tinha que fazer alguma coisa em algum lugar e Rodrigo ligou o carro e os dois foram em silêncio até o apartamento de Debora.
- Você quer me matar, não é? - perguntou Rodrigo quando estava estacionando em frente ao prédio.
-Vou torturar antes. - respondeu ela saindo do carro.
-Ah! Ele não é tão mal assim... - brincou ele tentando sorrir de maneira apaziguadora.
-Pega ele pra você, então.
-Oh! Se pego... - respondeu ele rindo e acelerando, em um segundo não estava mais ali.
Debora subiu para seu apartamento o mais rápido que conseguiu, o elevador estava demorando demais para descer, então ela resolveu subir de escada, uma péssima idéia, pois estava de salto alto e eram oito andares.
Ao chegar ao terceiro andar, já estava ofegando, então resolveu tirar seus sapatos e continuar a correr descalço, subia o mais rápido que suas pernas conseguiam pular dois degraus de cada vez.
Pela primeira vez na vida deu razão a Rodrigo, ele está certo quando diz que fumar destrói o pulmão dela, e estava certo também ao dizer que quanto mais ela fumasse mais velha ela iria se sentir, nesse momento ela não se sentia uma mulher jovem de vinte e três anos, se sentia uma idosa de cinqüenta e poucos anos correndo atrás de seu netinho no quintal de casa.
Mas ela corria e corria, se segurando no corrimão muitas vezes quando achava que iria cair.
Ela se sentia idiota ao fazer isso, mas ela sabia que precisava, seja lá o que fosse que estava atrás dela esteve tão perto hoje, esteve a um passo dela.
Mas o que era isso?
Ela estava mesmo ficando louca?
Ela não sabia, mas por via das dúvidas era melhor ela estar segura embaixo de seu edredom em minutos, antes que qualquer coisa a pegasse.
E foi exatamente isso que ela fez, chegou a sua casa, e foi correndo para debaixo de seu edredom, depois, claro, de ter trancado tudo que estava aberto, qualquer frestinha que se podia passar alguma pessoa ou coisa.
Só acordou quando Rodrigo a ligou dizendo que ela já estava atrasada e ela nem se lembrou de perseguidor ou monstro enquanto corria atrasada para o set de filmagem para mais um dia incrivelmente deprimente.
O dia passou rápido demais, para a surpresa de Debora, ela nem brigou com Richard hoje ou foi obrigada a rir das piadas de Vinicius, hoje elas estavam mesmo engraçadas, ele devia ter comprado algum livrinho de piadas para usar e hoje foi um dia mais fácil também, pois seu perseguidor nem a incomodou nessas horinhas ou ocupou sua mente.
Antes de ir para casa, foi a pé a um mercado próximo de sua casa, foi ai que pensou em seu perseguidor:
Pois aquela sensação de estar sendo seguida não existia, pelo que parecia seu perseguidor não gostava da luz do dia.
Fez suas compras lentamente, comprando o que sempre comprava: cerveja, ração de cachorro, pizza congelada e mais uma caixa de cigarro.
Colesterol e nicotina eram coisas realmente adoráveis, não?
Foi andando para casa devagar, curtindo a brisa leve do entardecer, que apesar da poluição e do barulho ensurdecedor dos motores dos carros que passavam a toda pelas ruas nem um pouco limpas da movimentada Newday, de uma maneira que ela não sabia explicar, essa brisa a trazia paz.
Chegou em casa, deixou as compras na cozinha e foi brincar com sua cadela da raça labrador, uma cadela grande e pesada, de pêlo marrom e dos olhos verdes e sedutores, Raika, era sua única família, a única criatura na face da Terra que ela sabia que nunca a deixaria sozinha.
Enquanto passava pelos canais da televisão, jogada em seu sofá grande e confortável, bebia goles de sua cerveja quente e mordiscava sua pizza fria e fazia companhia a sua fiel-escudeira que adormecia com a grande cabeça encostada em seu colo.
Era sexta-feira à noite e não sair era normal, seu telefone estava desligado para que ninguém a perturbasse, com certeza quando acordasse amanhã de manhã, ou à tarde, haveria, no mínimo, oito chamadas não atendidas de Rodrigo.
Rodrigo era um amigo que todos sonhavam em ter, aquele que sabia exatamente o que estava acontecendo com você, aquele que você sabia que poderia contar para qualquer coisa.
A amizade dos dois já tinha alguns anos, e nesses anos Rodrigo sempre foi para Debora algum tipo de irmão de mais velho, ele tinha até mesmo um ar paterno.
Mas hoje era sexta-feira à noite, e essa era a única oportunidade que ela tinha de ficar sozinha consigo, de curtir sua solidão, era a hora de se sentir deprimida, de chorar pela ausência de seus pais, de sofrer por não ter ninguém ali com ela segurando sua mão e dizendo que tudo vai passar.
Amigos era o que ela mais tinha, aqueles atores mais famosos do que ela que a ajudavam arrumar algum comercial ou algum teste para outro filme, esses amigos ela só procurava quando precisava deles.
E homens ela também já teve vários, mas nenhum que a fez sorrir por estar de mau humor, ou simplesmente que a fizesse se sentir segura ao seu lado. Isso é completamente patético e sentimental, muito diferente do seu habitual, mas se fosse em outra época, à essas horas ela estaria na cama com Vinicius e não estaria se importando com aquela historia de misturar vida pessoal com a profissional, mas agora parecia que em todos os homens estava faltando algo, como se eles não fossem bons o suficiente para ela, como se ela quisesse algo mais.
Talvez estivesse entrando na crise dos trinta aos vinte três, sempre foi precoce mesmo.
-Chega de se lamentar, Debora Spencer! - disse pra si mesma com a voz engasgada por causa da embriagues, e levantou a garrafa de cerveja no ar, brindando com o vento.
Patético.
Raika que estava jogada aos seus pés na ponta do sofá reclamou pela falação de Debora, resmungando com um gemido baixinho. Para pedir desculpas, Debora passou seu pé na cabeça de sua cachorrinha enorme a fazendo carinho.
Na televisão começou a passar um filme de vampiro dos anos setenta, os efeitos especiais eram muito precários, é, tosco mesmo, e a maquiagem que os atores que interpretavam os vampiros, deixava muito a desejar. O pó branco que eles usavam para parecer que eram muito pálidos não chegava ao pescoço e isso dava um contraste horrível àqueles atores que tinham a pele mais escura.
Ainda estava na segunda cena do filme quando Debora adormeceu, na verdade ela apagou. Nem ela sabia que estava tão cansada, tão exausta, pode ter sido a cerveja, pensou ela já de olhos fechados, simplesmente seu cérebro ordenou: “durma”.
E como uma boa menina que era, ela obedeceu.
Seus sonhos foram confusos e apagados, como se fossem uma televisão em um canal mal sintonizado, que às vezes mostrava imagens claras e em tantas outras não mostrava nada específico, mas quando as imagens viam com claridade suficiente para ela identificar o que as formas mostravam, o rosto daquele homem que ela viu no restaurante vinha a tona toda a vez...
Seu cabelo castanho, seus olhos grandes e verdes... Seu riso tímido e sua postura confiante...
Ela não tinha notado que tinha reparado tanto assim naquele cara, mas vendo assim, ele era lindo e assustador, mas de uma forma estranha que a dava calor, mas a imagem sumia novamente e ela percebia que estava cansada demais até para sonhar.
Raika começou a resmungar, mas ela estava tão longe, parecia que seus latidos estavam a quilômetros de distância, e um ‘bum’ alto quase a despertou completamente, era Raika que tinha ido direto ao vidro da sacada, mas como estava trancada, ela só bateu de cabeça com o vidro resistente.
Mas os latidos não paravam e pareciam ficar mais próximos de Debora agora, ela puxou uma almofada e colocou sobre seu rosto, tentando abafar os latidos desesperados de sua cadelinha.
-Deixa a mamãe dormir, bonitinha. - pediu ela embriagada com sono e com a voz abafada por causa da almofada que ela deixava apertada em seu rosto.
Raika pareceu pirar, dando pulos e latindo até ficar rouca, suas patas raspavam desesperadamente a cerâmica branca do chão, e ela ia de um lado para o outro.
“Os vizinhos vão adorar isso!”
Debora resmungou ainda sonolenta e distante.
Alguma coisa pareceu assustar Raika, porque ela choramingou alto demais dessa vez, e ela foi correndo para debaixo da mesa assustada, como se algo do outro lado do vidro da porta da sacada tivesse a afugentado.
Debora que estava com os olhos fechados e a almofada amassando seu rosto, se mexeu um pouco no sofá, mas quando ouviu o choramingar de Raika disse:
-Entre.
Essa era uma brincadeira que ela sempre fazia, quando Raika parecia estar assustada com alguma coisa do lado de fora, Debora sempre mandava a ‘coisa’ entrar só para que Raika percebesse que não tinha lá do outro lado.
Mas dessa vez, alguma coisa entrou mesmo, não que ela percebesse.
Entrou devagar, passos mais leves do que qualquer outra coisa, como penas passando por cima de uma superfície macia, quase despercebidos, caminhava como se flutuasse pelo chão gelado.
Debora sentiu a presença ao seu lado, achando que era Raika perguntou:
-Que horas são, minha bonitinha?
Ela sempre falava com sua cachorrinha, mas nunca esperando que ela respondesse, ela não era louca, não tão louca assim para acreditar que um lindo dia sua cadelinha resolvesse lhe responder, ela só era carinhosa com sua melhor amiga.
-03h34min. - respondeu uma voz bem perto de seu ouvido, com a respiração gelada quase na bochecha de Debora, arrepiando os cabelinhos de sua nuca.
-Obrigada, filhinha...
Ao perceber que tinha respondido à sua amiga de quatro patas, deu um pulo do sofá.
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