domingo, 8 de agosto de 2010

Capítulo Quatro



 

Capítulo Quatro


 
Era uma casa abandonada no lado mais obscuro da cidade, o lado menos habitado, o lado esquecido pela civilização, uma casa de fachada, era lá embaixo onde ficavam escondidos feitos ratos, era um esconderijo luxuoso, com instrumentos de alta tecnologia, com pedido de digitais na porta para entrar, com câmeras para todos os lados, com cães de guarda, com alarmes, até parecia um quartel-general de alguma organização terrorista, ou algum lugar de experimentos da NASA.
-Que lugar é esse? - perguntou Debora a Marcus, enquanto ele colocava o polegar em uma máquina que revisava se ele poderia entrar.
-Sua nova casa.- respondeu ele com um sorriso animadamente apavorante e ao mesmo tempo tão encantador.
Os dois atravessaram um corredor de vinte metros depois de terem estacionado no que parecia ser o porão da casa, apesar de parecer mais um estacionamento de um hotel luxuoso se você olhasse para os carros que estavam estacionados ali, entraram em um elevador que só tinha a opção de descer.

-Você entra na mente das pessoas ou algo assim? Porque eu sei que você controlou aqueles policiais de alguma maneira... - perguntou ela tentando ignorar o medo que estava sentindo ao entrar num mundo bem diferente do dela, um mundo que sequer pensou que existia.
-Nós vampiros temos certo poder pelas pessoas, mas não é algo como entrar na cabeça delas e mandá-las fazer alguma coisa... Nós só meio que damos a idéia, entende?
-Tipo hipnose?
-Não chega a tanto... É uma coisa de caçador também, enviar uma mensagem para a cabeça da presa dizendo para ela não se mexer, mais ou menos isso... Sem contar que a mente humana é mais fraca do que a nossa, é fácil controlar. - explicou Marcus olhando para a parede de metal do elevador, ele parecia tão longe apesar de estar respondendo as perguntas de Debora.
Sem contar que essa coisa de “nós” e “eles” era irritante, ela era uma humana até... Que dia mesmo?
-Quanto tempo eu estive desmaiada? - perguntou ela se dando conta de que ele ainda não tinha apertado o botão para que eles descessem.
-Você esteve “morta” por vinte e sete horas, é o tempo que dura a transformação... Mas ainda demorará um pouco para que ela esteja completa, falta algumas coisas ainda...
Debora estremeceu tanto por ter ‘estado’ morta quanto pela idéia de que ainda faltavam algumas ‘coisas’... Mais dor?
Ele a olhou e sorriu com os olhos tristes e sorriu:
-Não se preocupe... Tenho algumas instruções para você agora...
Ele apertou o botão com a letra “B” bem destaca e o elevador se moveu, cinco segundos depois ele apertou no botão de trava de segurança, o fazendo parar novamente.
-Por que parou?
Ele inalou o ar profundamente, fechando os olhos, parecia pensar muito em alguma coisa, parecia perdido em um mundo onde apenas ele podia entrar, depois abriu os olhos e havia irritação neles.
Ele devia ter um transtorno de humor...
-Você vai me deixar falar ou não? - perguntou ele rispidamente, Debora se encolheu por causa de sua hostilidade e mais uma vez ele fechou seus olhos e inalou o ar fazendo barulho e os abriu lentamente, ainda perdido em pensamentos, ele parecia nervoso, a até com medo, mas Debora achou que medo era apenas sua imaginação.
Ela limpou a garganta alto o suficiente para que ele ouvisse e levantou suas sobrancelhas para ele, esperando, ele a olhou perdido, confuso.
-Então, o que vai me dizer? - perguntou ela cruzando seus braços impaciente.
-Ah, é... Desculpe... - disse ele como se tivesse levado um choque e voltado a si.
Ele a olhou nos olhos e prendeu seu olhar no olhar dela por longos segundos, Debora sentiu a necessidade de desviar o olhar para que ele falasse, sem contar que ficar presa em um elevador era muito claustrofóbico.
Na medida em que Marcus se aproximava, Debora se afastava, até que ela grudou suas costas no metal da parede e Marcus colocou seus braços nos lados dela, prendendo-a ali, 
e muito, muito próximo dela.
- Você vai entrar onde nenhum humano entrou antes e você só está entrando porque deixou de ser humana assim que eu a transformei. -Ele fez uma pausa e suspirou, ele parecia estar nervoso e não era imaginação da Debora - Lá embaixo, há cerca de duas mil pessoas como nós, vampiros, é uma cidade subterrânea, um clã, onde sempre é noite. -Mais uma pausa, mais um suspiro - Você ainda cheira muito como humana porque seu corpo ainda está mudando, então eles te sentirão assim que você puser o pé fora desse elevador, eles olharam para você, muitos vão te encarar, mas não se preocupe com eles, eles não mordem - Mais uma pausa, dessa vez uma risada baixa - Todos vão querer sabem quem é você, porque está aqui, mas ninguém irá fazer essas perguntas diretamente a você enquanto você estiver andando ao meu lado.
-Por que não falarão comigo enquanto eu estiver ao seu lado?- perguntou ela desconfortável por estar tão perto dele assim, mas seu tom foi de desdém.
-Esse clã pertence a minha família, se pode dizer que eu sou um membro real, as pessoas têm que demonstrar respeito por mim... Não podem me fazer perguntas e eu não as devo explicações.
-Um membro real? -perguntou Debora trancando uma risada, ela não conseguiria se imaginar chamando o Marcus de Vossa Alteza ou algo assim...
-Sim, meu pai foi o criador desse clã e meu irmão é seu governante... Você entenderá melhor dessas coisas depois. - explicou ele e Debora percebeu o corpo dele enrijecer ao dizer que seu irmão era o governante e algo pareceu brilhar em seus olhos... Seria ódio?
Seja lá o que fosse, sumiu muito rápido para que ela decifrasse.
-Como meu irmão é o líder, teremos de nos apresentar diante dele para que ele “reconheça” sua nova identidade e para que sua transformação seja completa de maneira legal perante o mundo vampiro, mas faremos isso só à noite, porque agora que estamos chegando aqui todos estarão descansando por ser dia lá em cima. - continuou explicando ele e Debora podia ver cada tom de verde de seus olhos pela sua aproximação, isso a deixava inquieta, irritada.
-Depois da Cerimônia de Reconhecimento, você será mantida em treinamento por algum tempo, esse tempo depende da sua melhora física e mental, e avaliaremos seu desempenho com o novo corpo a partir de testes ocasionais obrigatórios dados pelo seu mentor, sem contar com a parte do controle sob a sede, que terá que ser um controle quase que completo. –a  voz de Marcus era grossa e rouca e seu tom era de professor, mas a proximidade dele fazia com que todas suas palavras fossem levadas muito, muito a sério. Não que Debora não estivesse levando a sério, só que eram muitas informações e ela se sentia cansada.
-Meu Mentor? - perguntou ela para demonstrar que estava prestando atenção, não que tivesse uma segunda opção.

-Acredito que eu serei seu Mentor, já que a transformei... Mas isso depende da escolha do Líder. E o Mentor ensina ao Recém-Transformado as regras do nosso Mundo e como lidar com a força e outras qualidades que a pessoa ganha a partir da transformação.
-Regras do nosso Mundo? - perguntou ela levantando sua sobrancelha esquerda, ela odiava se sentir ignorante, mas ele era o único que podia responder suas perguntas agora, o único que ela conhecia, por enquanto...
E ela já estava louca para se livrar dele de uma vez.
-Assim como em qualquer civilização há regras para manter tudo em ordem, mas as nossas são poucas e muitíssimos claras. -respondeu ele simpaticamente, ele realmente parecia querer responder às perguntas de Debora.
 -Por exemplo, senhor vampiro?
-Nossa existência tem que ser mantida em segredo. Podemos nos alimentar de qualquer humano, exceto os Intocáveis, você aprenderá sobre eles mais tarde, mas não podemos levantar suspeitas para o mundo humano... Nosso sobrenome é Discrição. - respondeu ele sorrindo.
Sim, ele tinha problemas de humor.
Mas Debora não reparou em seu sorriso ou em sua piada... A frase de Marcus tinha parado em “Podemos nos alimentar de qualquer humano...” E só de pensar nisso sua garganta gritava pedindo por isso, mas sua consciência não concordava...
Seu peito sufocava... Ataque de pânico...
-Não, não, não! - gritou ela saindo por debaixo de um dos braços de Marcus e indo para o outro lado do elevador.
-O que é dessa vez?! -perguntou ele impaciente, parece que sua paciência não era tão inabalável assim.
-Eu não vou morder pessoas e nunca mais vou beber sangue! Nunca mais! - gritou ela brava e enojada.
A respiração não vinha, mesmo ela percebendo que não era algo tão importante assim... Seu peito apertava e suas mãos se mexiam freneticamente.
-Você não precisa caçar sua comida, muito menos morder pessoas, temos sangue aqui embaixo, de doações que os humanos fazem aos bancos de sangue, nós compramos... E além do mais, do que vale ser vampiro se você não quer usar suas presas? - perguntou ele com um tom de obviedade muito irritante, alheio ao seu ataque de pânico.
Debora ficou em silêncio pelo o que pareceu ser muitos minutos, e quando falou sua voz estava quebrada e não passava de um fraco sussurro.
-Mas eu preciso voltar... Tenho que cuidar da Raika... Rodrigo... Ele vai procurar por mim... E o filme... Eu tenho uma vida para cuidar... - disse ela como se só agora ela tivesse acordado e visto tudo que ela teria que deixar para trás, como se algo tivesse caído em cima de sua cabeça e a pressionando a Terra, a fazendo perceber que tudo seria diferente de agora em diante.
Vida... Ela já não tinha mais isso, tinha?
Lágrimas encheram seus olhos e o mundo pareceu girar ao seu redor.
-Por que você fez isso comigo?! - perguntou ela chorando, ela odiava parecer fraca e chorar na frente das pessoas, mas ela não conseguia acreditar que tudo que ela tinha, uma vida, havia acabado de uma hora para outra.
Ela nunca mais veria a luz do sol.
Literalmente.
Ele se aproximou e estava prestes a abraçá-la, mas hesitou e ficou parado onde estava, ele sabia que ela não gostava de contato físico com ele, mas dessa vez foi ela quem pulou nos braços dele, ela precisava se apoiar em algo, em alguém para não cair, nem que fosse se segurar justamente no culpado de tudo aquilo... Em seu assassino?
-Debora desculpa, mas era a única maneira que eu encontrei para... Para que desse certo... - sussurrou ele no cabelo preto de Debora com sua voz ainda mais enrouquecida que o normal, quase dolorida e ela se afastou com sua afirmação e o olhou com confusão.
Do que ele estava falando?
-Desse certo? perguntou ela limpando as lágrimas de suas bochechas.
Ele pareceu que levou outro choque e voltou a si.
-Você não está sentindo dor? - perguntou ele evitando responder a pergunta de Debora, -ela percebeu isso, mas deixou passar.
-Estou e é horrível... Minha garganta parece estar...
-Seca e apertada? - ele completou para ela vendo que ela não conseguia encontrar palavras para descrever a dor.
-É... Isso passa? - perguntou ela preocupada.
-Passa, assim que você se alimentar. - respondeu ele com um sorriso amigável nos lábios, mas seus olhos estavam tristes.
-Alimentar que você diz...
-Sim, de sangue... Sangue humano. - respondeu ele seriamente, parecia que estava com medo de que ela tivesse outro ataque.
Debora não queria fazer isso, não mesmo... Mas essa dor estava a matando, era insuportável...
-Então vamos nessa? - perguntou ela fingindo estar animada, ela estava morrendo de medo do que iria encontrar, mas também queria fazer de tudo para que essa maldita dor passasse.
Talvez ela ainda acordasse desse pesadelo.
-Vamos. - respondeu Marcus sorrindo enquanto destrava o elevador.


***

-Marcus, Marcus, Marcus... - cantarolou Viktor enquanto entrava no quarto de Marcus que estava deitado em sua cama, quase dormindo.
-Então resolveu brincar de vampiro e transformou alguém? A que devemos essa mudança tão drástica? - perguntou Viktor quase afetadamente, mas Marcus sabia que seu irmão estava ultrajado com isso.
- Viktor, saia do meu quarto, eu quero dormir. - ordenou Marcus pacientemente colocando um travesseiro sobre o rosto.
-Você transformou uma pessoa, Marcus? - perguntou Viktor sentando no pé da cama de maneira despreocupada.
-Por que toda essa cena, Viktor?! Sou um vampiro e tenho todo o direito de transformar qualquer um a qualquer hora, basta eu querer. - retrucou Marcus sentando-se na cama e atirando o travesseiro que cobria seu rosto no chão.
A atitude de seu irmão irritava, aliás, todas as atitudes de seu irmão o irritava, seu irmão o irritava.
-Querido irmão, sabe muito que todo vampiro que está em meu poder têm de vir a mim e pedir autorização para transformar alguém... - recitou Viktor com vaidade e arrogância. E o “querido irmão” fez com que Marcus quisesse pular em seu pescoço... Não era uma má idéia.
-Eu não tenho que pedir autorização nenhuma a você. - afirmou Marcus entre os dentes e com os olhos estreitos, sua voz era quase um rugido.
-Eu sou o líder e parece que você se esqueceu disso. - enfrentou Viktor ainda mais arrogante, mas completamente calmo.
-Como eu poderia esquecer disso? Você me lembra desse fato em toda a oportunidade que tem, há um século escuto você falar que é o líder!  Agora me deixe em paz! - gritou Marcus no limite de sua paciência, suas presas já estavam expostas e seus olhos eram cinza.
-Você é tão sentimental, Marcus... Deve ter sido por isso que nosso pai me escolheu como seu sucessor, você nunca controla seus impulsos. - comentou Viktor com desdém.
-Nosso pai estava louco quando fez isso e você sabe.  - soltou Marcus se jogando na cama novamente e colocando outro travesseiro no rosto.
-Só há um motivo que faria você transformar alguém... Vejamos... – Viktor fez uma pausa como se estivesse pensando – Ahá! Você está apaixonado! - exclamou Viktor batendo palmas como uma criança feliz.
Até Marcus teria que dar-lhe os parabéns pelo seu sarcasmo.
-Mal posso esperar para ver a mais nova conquista do meu irmão. - continuou Viktor com sua risada bizarra, sua voz cheia de segundas intenções.
Marcus levantou da cama e pulou na garganta de seu irmão, o levando até a parede, suas duas mãos apertando o pescoço de Viktor que estava suspenso no ar, suas costas sendo empurradas contra a parede.
-Fique longe dela. - ordenou Marcus apertando suas mãos ainda mais forte na garganta de Viktor que continuava rindo, afinal, Marcus havia caído direitinho na armadilha do seu irmão.
-Marcus, meu querido irmão... Não vamos estragar nossa harmoniosa relação por causa de uma mulher, vamos? - ironizou Viktor com a voz engasgada por causa do aperto de seu irmão.
Marcus jogou Viktor para longe com apenas um empurrão.
-O que você quer, Viktor? - perguntou ele irritado.
-O que eu quero, Marcus? Ora, nada que você possa me dar... Mas vamos direto ao assunto... - A expressão de Viktor mudou completamente, transformando seu belo rosto em uma máscara fria e ameaçadora – Estarei de olhos abertos e quero que saiba que qualquer deslize, qualquer brincadeira, qualquer erro será considerado mortal por parte de sua nova boneca de carne e osso. Não quero minha casa infestada por vampiros incontrolados, muito menos se for seu animalzinho de estimação... Você sabe onde está se metendo e com quem terá que lidar se algo não me parecer bom. - alertou Viktor levantando-se e ficando de pé em frente à porta.
-Ah! Isso é uma ameaça, Viktor? Eu sei que cão que late só late. - disse Marcus rindo sua melhor risada.
-Não é ameaça meu querido irmão... Como um líder, tenho que prezar pela segurança de meu clã... Tome isso como um conselho de seu irmão mais novo... Tenho apenas boas intenções, Marcus. - respondeu Viktor seriamente e com um sorriso ameaçador nos lábios. Quem não o conhecesse até poderia acreditar.
-De boas intenções o inferno está cheio, irmãozinho... - bufou Marcus ainda rindo.
-Ah! Que ótimo, então quer dizer que eu nunca saberei, certo? Afinal, eu já morri e aqui estou eu... E tenho certeza de que não me mandariam para o inferno, sou precioso demais para isso. - respondeu Viktor rindo ironicamente.
-Conheço certa pessoa que adoraria lhe mandar para o inferno... - comentou Marcus levantando as sobrancelhas deixando claro quem era essa “certa pessoa”.
-Bom avise a essa pessoa que para o bem de sua saúde é melhor manter uma boa distância de mim, senão mandarei alguém cuidar dela. - rtspondeu Viktor saindo pela porta.
-Sempre mandando os outros fazerem seu trabalho sujo, né Viktor?! - disse Marcus antes que Viktor fechasse a porta.
Viktor virou sua cabeça para encarar o irmão e piscou seu olho direito e saiu fechando a porta.
-Debora, Debora... Você ainda vai me causar problemas... - disse Marcus para si mesmo, se jogando na cama e rezando para que seu sono voltasse enquanto ele encarava o teto e só via o rosto de Debora nele.


***

Debora não conseguia dormir, apesar de estar em um quarto que era quase o tamanho de seu apartamento. A cama era macia e tudo era muito cheiroso e iluminado, sua garganta ainda doía, já que ela não aceitou beber sangue apesar de Marcus quase forçá-la a beber, mas ela teria que se controlar e ser mais forte que a dor, já que ela queria ir embora de uma vez por toda desse castelo incrivelmente bonito e assustador.
Levantou de sua cama que era alta o bastante para ficar quase em seu estômago e saiu andando pelos corredores de mármore branco daquela mansão de vampiros.
Vampiros...
Isso ainda não fazia nenhum sentido para ela, na verdade ela ainda tinha esperança de acordar em seu sofá com sua cachorrinha incomodando e a sua televisão fora do ar.
Mas como isso não iria acontecer, ela resolveu ir procurar por Marcus...
Ela sentiu a presença de alguém no fim do corredor em que ela estava e foi até onde ela achou que alguém estava.
Perto de uma enorme porta tinha um homem alto, forte, seus cabelos eram negros e sedosos e seus olhos... Ah! Seus olhos eram verdes, um incrível e único tom de verde... Lembravam à água cristalina de um mar intocado.
De alguma maneira aquele homem emanava algum tipo de energia que fazia com que Debora quisesse se aproximar, ela queria tocá-lo... Se aproximar, tocá-lo...
-Oi, o quarto de Marcus fica por aqui? - perguntou ela precisando fazer com que ele a percebesse ali, ele pelo menos tinha que olhar para ela.
-É esse ai. - disse ele de má vontade apontando para a porta de onde estava saindo, ele nem a olhou e isso foi tão... Frustrante, foi como se o coração de Debora fosse partido em dois...
Por quê?
Isso era muito estranho, até mesmo para ela.
Só depois que ela se afastou o suficiente, Viktor percebeu que aquela vampira tinha muito do cheiro humano nela, além de cheirar a seu irmão Marcus... Então era ela?
Debora foi em direção a porta que o homem bonito a indicou e entrou sem bater. Se aproximou da cama e se sentou nos pés de Marcus.
-Que foi Debora? - perguntou ele ainda embaixo das cobertas, seu rosto coberto por dois travesseiros.
-Como você sabia que era eu? - perguntou Debora confusa.
-O seu cheiro... - respondeu ele sonolentamente, depois ele bocejou.
-Eu não vou poder dormir hoje?
Ele perguntou quase irritado, se despreguiçando, seus pés empurraram Debora para fora da cama sem querer.
-Desculpe... - ele disse vendo que Debora quase tinha caído no chão.
Ela ainda estava meio tonta e se sentia tão fraca...
-Foi difícil achar você... Quantos quartos têm nessa casa? Uns trinta? - tagarelou ela se jogando na cama novamente.
-O que você quer Debora? - ele perguntou pacientemente sentando-se para olhá-la.
-Marcus... Posso te pedir um favor? - perguntou ela docemente, num sussurro, o coração de Marcus parecia que ia pular de seu peito.
-Hum... Peça... - respondeu ele tentando se controlar, ele não queria admitir que faria tudo que ela pedisse.
-Me deixa ir embora, por favor... Marcus... Por favor... - implorou ela com seus olhos verdes presos nos olhos de Marcus, ele quase disse ‘”sim, vá”, mas ele não podia e isso era golpe baixo e ela sabia.
Se eu pudesse, eu faria o que me pede, mas não posso. Você é responsabilidade minha 
agora, nem sei o que faria se algo de ruim acontecesse com você. - respondeu ele se aproximando dela, como se quisesse pedir desculpas.
-Droga! - gritou ela levantando-se da cama e indo para a porta.
“De que adiantava ser doce diante um vampiro, o vampiro que a matou?” - perguntou ela frustrada pra si mesma.
“Ela estava encenando, isso era tão previsível e eu cai direitinho!” - Marcus disse pra si mesmo balançando a cabeça, mas não pode evitar sorrir.
-Hein, espera. - disse ele a puxando pelo braço antes que ela saísse do quarto.
-Sua transformação ainda não está completa, é dia lá em cima, falta ainda a Cerimônia de Reconhecimento... Você não está nem pronta nem autorizada para subir ainda. - explicou ele e ela bufou, mas voltou a se jogar na cama.
-E quando será isso? - perguntou ela olhando para ele e só percebendo agora que ele estava vestido apenas com uma cueca, todos os músculos de seus braços e abdômen estavam nus, ela desviou o olhar antes que ele percebesse que ela estava olhando, ela não iria dar esse gostinho a ele, ele iria ficar se gabando.
-Quando você estará pronta ou quando será a Cerimônia de Reconhecimento? - perguntou ele vestindo uma calça enquanto ela olhava para o outro lado.
-Quando será essa tal Cerimônia? - perguntou ela olhando para uma pequena manchinha no teto.
-Meu irmão já sabe que você está aqui, então acredito que seja hoje à noite. - Marcus estava com a cabeça dentro de seu armário procurando uma camisa enquanto falava.
-E o que acontece nessa Cerimônia? - perguntou ela olhando para as costas dele, mas quando ele se virou, ela olhou para o lado.
-Não se preocupe com isso ainda, na hora você saberá... Agora levante... - disse ele já de camisa e abrindo a porta.
-Por quê? Aonde vamos? - perguntou ela se levantando devagar.
-Acho que seria uma boa você conhecer o clã enquanto não há muita gente por lá.
-Mas você não está com sono? - perguntou ela fingindo simpatia.
-Você já me acordou mesmo. - respondeu ele rindo, abrindo ainda mais a porta para que ela passasse primeiro.
Os vampiros são cavalheiros, oras.
-Você disse que não há muita gente por lá... Por quê?
Na verdade ela queria que tivesse pessoas andando por ai, uma em especial... Aquele homem que ela viu no corredor, queria vê-lo com mais claridade, decorar seus traços...
Estava ansiosa como uma adolescente e estranhou estar agindo assim.
-Porque é dia lá em cima, noite aqui embaixo... Você acha que os vampiros não descansam? - perguntou ele rindo enquanto passavam lentamente pelos corredores de mármore.
-Não vi nenhum caixão por aqui... - brincou Debora, pela primeira vez nas últimas vinte e quatro horas ela se sentia animada, e não sabia bem por que, parecia que o bom humor repentino de Marcus era um dos motivos.
-Só o meu irmão dorme num caixão. - respondeu Marcus seriamente, mas trancando uma risada.
-Sério?
-Não, mas eu não me incomodaria de ver meu irmãozinho num caixão. - disse Marcus e depois deu uma risada maligna.
Debora sentiu um arrepio subir pela sua espinha, Marcus viu que ela se assustou.
-Eu só estou brincando. - respondeu ele seriamente a olhando fundo nos olhos, na verdade, ele parecia gostar de fazer isso, ela percebeu... Isso de olhá-la bem fundo nos olhos. Era inquietante para dizer o mínimo.
-Você não parece gostar muito de seu irmão... - comentou ela enquanto desciam pelas escadas de mármore.
-Somos pessoas diferentes. - respondeu ele vagamente e ela deu os ombros.
Ficaram em silêncio por um tempo enquanto ela olhava ao redor as casas quase todas iguais exatamente como numa cidade pequena. Tudo bem iluminado por postes, o chão era de terra e ela não queria olhar para cima, sabia que devia ser de terra ou de metal como nos túneis, já que estavam no subterrâneo, mas pensar que olharia para cima e não veria o céu a deixava nervosa, se sentia presa, claustrofóbica.
-Está vendo aquela praça? - Marcus perguntou apontando para uma grande praça que ficava no centro de Burns.
-Sim... O que tem ela?
-Vem comigo, tente correr... - disse ele a puxando pela mão, em menos de três segundos os dois já estavam no meio da grande e bonita praça, Debora estava sem fôlego, mas estava também anestesiada e chocada:
“Como eu corri tão rápido? Será que ele me puxou? Uau!” - dizia ela pra si mesma enquanto Marcus se sentava em um grande banco de pedra esculpida e desenhada.
Tudo nesse clã era bonito e desenhado, bonito e rico, bonito e misterioso, bonito e assustador.
-Você disse que seu pai criou isso tudo... - comentou ela depois de mais alguns segundos em silêncio.
-Sim e isso era muito comum antigamente: Um vampiro poderoso se juntar com alguns seguidores e criarem uma pequena civilização. - explicou ele sem emoção.
-Assim como em todos os outros clãs, o vampiro pode governar apenas por duzentos anos, depois tem de escolher um sucessor. É uma forma de política no nosso mundo. Há clãs mais poderosos que os outros que formam o Conselho que é comandado por um outro vampiro ainda mais forte que todos os outros... Diria que é como um Presidente e seus ministros.
-E como essa escolha é feita? Como nas eleições humanas? - perguntou Debora animada por conhecer uma cultura nova, enquanto ele parecia completamente entediado, como se estivesse explicando uma matéria de história.
-O líder que escolhe. Na maioria das vezes o líder escolhe seu filho mais velho, ou seja, aquele vampiro que ele criou como filho.
-Então depois que se passaram duzentos anos, seu pai escolheu seu irmão mais velho? -perguntou ela acompanhando a história. Marcus enrijeceu o corpo e um olhar estranho passou rapidamente em seus olhos.
-Com nosso clã foi diferente. Meu pai era um vampiro poderoso, mesmo que antigamente houvesse muitos vampiros poderosos, ele se destacava... Como ele criou Burns do nada, ele pôde governar por muito tempo a mais do que o normal...
-Então depois seu pai elegeu seu irmão mais velho... - repetiu Debora e Marcus olhou para o outro lado.
-Não, Viktor é meu irmão mais novo. - respondeu Marcus amargamente, ainda olhando para o outro lado.
-Por que seu pai não escolheu você?- perguntou Debora confusa.
-Ninguém sabe... - respondeu Marcus dando os ombros.
-Você disse a cada duzentos anos? E foi só o seu pai que foi líder? E o seu irmão mais novo? -perguntou Debora tentando fazer as contas em sua cabeça.
-Sim. - respondeu ele simplesmente.
Quantos anos você tem? - perguntou ela assustada.
-Não tenho certeza... Mas acho que duzentos e cinqüenta... Sabe, faz um tempo que eu parei de contar... - respondeu ele dando os ombros novamente.
-Então aquela historia de imortal é verdade? - perguntou ela confusa e assustada.
-Sim... Nosso corpo não reage a doenças, armas de fogo também não são capazes de nos matar, nem nada do que falam. - ele parecia bastante vaidoso enquanto falava.
-Prata, alho, água benta, crucifixo é tudo lenda? - perguntou Debora interessada.
-É tudo lenda, exceto o que falam sobre a luz do sol. - respondeu ele como um professor de história.
-O que exatamente acontece se você ficar exposto à luz do sol?
-Nós viramos cinzas em minutos ou segundos, depende se você está bem alimentado, ai talvez você tenha alguma chance... Mas é muito raro um vampiro sobreviver ao contato direto com o sol... Ah! Fogo também nos destrói rapidamente. - respondeu Marcus frisando a palavra “nós”, como se estivesse a lembrando de que agora ela é um vampiro também.
Como se precisasse.
-E aquela história de entrar nas casas dos humanos? - perguntou ela levantando as sobrancelhas e com um sorrisinho nos lábios.
-O que é que tem? Nós só entramos se formos convidados. - respondeu ele sem entender aquele sorriso da Debora.
-Mas como você entrou na minha casa se eu não convidei você? - perguntou ela quase irritada... Era muito fácil ele estar mentindo sobre tudo isso, afinal, ela não sabia de nada.
-Você disse em alto e bom som: “ENTRE”! - disse ele imitando a voz dela perfeitamente enquanto dizia a palavra ‘entre’.
-Mas eu não podia imaginar o que tinha lá fora, eu nem sabia que tinha algo lá fora! Eu não podia imaginar o que você era! - gritou ela irritada.
-Se você soubesse o que eu era você não me deixaria entrar! - respondeu Marcus a olhando nos olhos e com um sorriso nascendo no canto esquerdo da boca.
-Não deixaria mesmo... - respondeu ela o esnobando de brincadeira.
Marcus deu uma risada sem graça, mas que iluminou seu rosto.
Debora levantou do banco que estava sentada e foi se embalar em um grande e alto balanço de criança no outro lado da praça.
Ela fitava o chão pensando em tudo que aconteceu com ela nessas últimas horas e ela ainda queria acreditar que tudo aquilo era um pesadelo longo demais e que ela acordaria e balançaria a cabeça achando que estava ficando louca.
Marcus reparou que o humor de Debora mudou de maneira significativa e se aproximou, sentando em um balanço ao seu lado.
- O que foi? - perguntou ele baixinho tentando a olhar nos olhos, mas o cabelo dela estava tapando sua visão, já que ela olhava para baixo.
-Sabe... Tem uma parte de mim que ainda acredita que tudo isso é um pesadelo e que eu vou acordar e ver que só tenho trabalhado demais e que filmes de vampiros não me fazem bem. - lamentou-se ela se balançando devagar.
-Mas quem sabe esse seu pesadelo vire um sonho... - comentou ele se aproximando dela, querendo tocá-la de outra maneira, querendo fazê-la perceber o que ele queria...
Debora gargalhou alto quebrando qualquer tipo de encanto e debochou:
-Ah! Claro que sim... Daqui a pouco aparece um príncipe encantado de presas em cima de um cavalo preto me jurando amor eterno... Não acredito em contos de fadas, Marcus. Então não, nenhum pesadelo vira sonho. - mesmo sem saber, Debora despedaçou o coração de Marcus, mas ela não percebeu, ele não demonstrou nada.
Ficaram em silêncio por muito, muito tempo, Marcus perdido em um daqueles transes de sempre e Debora olhando para o chão, até que ela perguntou para quebrar o silêncio:
-O que aconteceu com seu pai?
-Meu pai? - perguntou ele surpreso.
-É, o que acontece com os vampiros que deixam de ser líderes? - perguntou ela curiosa.
-Os vampiros que são líderes, já estão muito antigos quando seu “reinado” chega ao fim, então eles podem escolher o que acontece com eles. - respondeu ele tentando não demonstrar seu tédio ou seus sentimentos.
-Escolher? Como assim? - perguntou ela confusa.
-É... Alguns escolhem ser destruídos, pois acreditam que já viverem tempo suficiente, outros acabam ficando encarregados de treinar os mais novos, de orientá-los, como mentores... Tem também aqueles que escolhem ficar por ai, continuar a viver como todos os outros os vampiros que não são líderes, como eu e você... Mas nem todos eles se acostumam em não ter poder e acabam enlouquecendo... - explicou Marcus pacientemente.
-E o seu pai, o que escolheu?
-Meu pai havia escolhido continuar por ai, mas... – Marcus pausou e suspirou alto, olhando para o chão.
-Marcus, não precisa contar... - disse Debora amigavelmente, apesar de sua curiosidade ser mais do que evidente.
-Uma semana depois... Ele foi destruído... O encontramos com uma estaca no coração e decapitado... - contou ele olhando para o nada, como se estivesse assistindo a um filme.
-Oh! Sinto muito, Marcus... Eu não deveria ter perguntando, desculpa... - pediu Debora colocando sua mão na mão de Marcus, ele a olhou nos olhos e sorriu seu mais belo sorriso.
-Está tudo bem... - disse ele ainda sorrindo.
Debora olhou para o outro lado e pensou.
-Vamos, pergunte... Eu sei que você quer saber se descobrimos quem fez isso. - disse Marcus puxando Debora, para que ela o olhasse.
-Eu só fiquei curiosa... - respondeu ela olhando para o chão, mas tirou sua mão da dele.
Ele mais uma vez escondeu sua frustração.
-Nós nunca descobrimos quem o matou, mas foram décadas de investigações, mas nenhuma chegou a algum lugar... A maioria delas foi cancelada por Viktor quando achávamos que estávamos perto de descobrir alguma coisa importante, e o resto era só um erro. - contou ele dando os ombros, mas era visível sua irritação e sua frustração.
-E eu nunca pude fazer nada.
Com essa sua última declaração, Debora percebeu que o assunto tinha morrido.
 














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