• Capítulo Cinco •
A Cerimônia de Reconhecimento é um ritual muito antigo no mundo dos vampiros, mas não é mais tão comum hoje em dia, poucos clãs ainda fazem questão de que o vampiro recém-transformado se apresente diante do Líder e do vampiro que o transformou e beba o sangue de cada um deles e despeje seu próprio sangue já misturado com os dos dois vampiros mais velhos num cálice de ouro e dê para o Líder beber, um sangue poderoso pois ainda tinha vestígios humanos e muito do sangue Real.
Cinco vampiros ficam presentes em uma grande sala de mármore escuro iluminado por velas brancas, dando um visual sombrio e assustador.
O Líder vestido com uma túnica branca com o brasão do clã em ouro no peito, seu guarda pessoal vestido de azul escuro, como sempre, a sua direita, sua companheira vestida de vermelho sangue do seu lado esquerdo, como seu coração, o vampiro recém-transformado nu ao centro da sala, o vampiro que transformou vestido de preto a sua direita três passos atrás.
Debora ouviu as explicações de Marcus atentamente, mas seu cérebro parou de captar as palavras dele depois do “o vampiro recém-transformado nu ao centro da sala”...
Ela estaria nua na frente de Marcus, do irmão dele, da companheira do Líder e de um guarda?
-Eu tenho que estar nua? - perguntou perplexa a Marcus que já estava vestido para a Cerimônia com uma grande túnica preta com capuz, parecia a Morte. Uma versão linda da morte.
-Você nasceu vestida?
Ela fez que não com a cabeça.
-Ser transformado é como nascer de novo, reviver... E como ninguém nasce vestido não faz sentido você estar vestida lá. Entende? – explicou ele como se aquilo fizesse o maior sentido.
-E por que você está vestido de preto e os outros de cores específicas?
Marcus riu diante a teimosia dela e respondeu:
-Estou de preto como um Anjo da Morte, matei você. Viktor estará de branco personificando aquilo ou aquele que salva sua alma diríamos assim, e a companheira dele de vermelho por causa do sangue que foi e será derramado. Todo guarda do líder de um clã deve se vestir de azul escuro como a noite. É um monte de bobagem inventada há muito, muito tempo atrás, e meu irmão diz que é importante manter as tradições... Quase nenhum clã faz mais isso. - explicou Marcus se mostrando bastante entediado e Debora se perguntou quantas vezes ele teria assistido a essa Cerimônia.
-Se isso tudo é um monte de bobagem como você mesmo falou, porque eu tenho que fazer?
-Porque é a Lei de Burns... Sem essa Cerimônia, você não pertence ao mundo humano nem ao mundo vampiro, será destruída.
-E se você fosse de qualquer outro clã, eu não teria que fazer isso?
-Não.
Debora queria bater em alguma coisa, mas não teve essa oportunidade, pois em menos de cinco minutos depois já estava sendo arrastada por Marcus para a Sala de Cerimônias, onde ocorreria o ritual.
A sala de mármore escuro era exatamente como Marcus havia descrito, grande e pouco iluminada. As velas de chama dourada iluminavam pouco, Debora percebeu que nem precisava delas para ver tudo com clareza.
Uma grande mesa de pedra ficava no centro da sala, não, ao centro não, um pouquinho mais para a esquerda, ao centro seria Debora quem ficaria.
Em cima da mesa havia um enorme cálice de ouro coberto por pedras preciosas coloridas, como aquelas que os reis costumavam usar e uma faca de prata que refletia a sala.
Debora e Marcus entraram na sala vazia, ele a guiou até o centro, colocou o capuz sobre a cabeça, tapando o rosto de maneira sombria e disse formalmente:
-O Líder virá em poucos segundos, a Cerimônia de Reconhecimento será feita, prepare-se.
“Prepare-se” quer dizer: Comece a se despir.
E foi o que ela fez.
Ela tirou rapidamente a túnica branca que estava usando – a única coisa que estava usando - e entregou para Marcus.
Debora sentiu o cheiro antes que os outros três vampiros aparecessem na sala.
Um era doce e chamativo, outro era meio amargo quase salgado e um outro, uma fêmea, cheirava estranhamente à bala.
Como não era permitido, ela não levantou a cabeça para olhá-los nos olhos, nua como estava, ficou fitando os próprios pés enquanto sentia os olhares analisarem cada parte de seu corpo, e isso a deixava constrangida e até assustada.
-Diga seu nome, recém-transformado. - ordenou Viktor e Debora levantou a cabeça para olhá-lo e quase caiu para trás, na verdade, nem sabe como não caiu realmente.
O Líder, o irmão de Marcus... O vampiro que estava a olhando nua nesse exato momento era o... Era o mesmo... Era o mesmo cara que ela havia visto no dia anterior, o cara lindo, o que a deixou estupidamente atraída.
- Diga seu nome, recém-transformado. - repetiu Viktor não escondendo seu mau humor por ter que repetir e trazendo Debora de volta a Terra. Quer dizer, se é que você pode chamar de Terra onde ela se encontrava agora.
-Debora Spencer. - respondeu Debora sem olhá-lo nos olhos, mas ela sentia o olhar dele passeando pelo seu corpo.
-Debora Spencer, você concorda que no momento em que os dentes de seu Mentor tocaram a sua pele e o sangue dele chegou ao seu coração quase morto, você foi transformada e passou a pertencer a uma espécie muito mais forte, avançada e imortal?
Debora queria dizer que não concordava com essa historinha de “espécie muito mais forte, avançada e blábláblá”, mas como o combinado e ensaiado milhares de vezes, ela baixou a cabeça e respondeu:
-Sim, meu Líder.
Essa parte do “meu Líder” fora ensaiada antes. Ela achava isso patético.
Viktor abanou a mão chamando Marcus que se aproximou lentamente de Debora.
-Agora você beberá daquele que te condenou a Vida Eterna. - disse Viktor e Marcus, lentamente, levantou a manga de sua túnica preta e expôs seu pulso pálido e forte a Debora, oferecendo sua veia.
-Ao tomar da minha veia, teu corpo reconhecerá quem te presenteou a Imortalidade e quem te trouxe de volta a Vida. - recitou Marcus fazendo o possível e o impossível para esconder como se sentia nesse momento.
O capuz que cobria seu rosto era seu melhor amigo agora.
Debora percebeu que enquanto Marcus falava, o olhar dele estava preso em seu olhar, não em seu corpo como os outros e isso a inundou de carinho.
Marcus estava a presenteando novamente, dessa vez com Respeito.
E era tudo que ela precisava agora.
Debora segurou com as duas mãos o pulso oferecido por Marcus e aproximou seus lábios, pele quase encostando pele.
E Marcus sentiu seu sangue correr mais rápido, como se quisesse pular para a boca de Debora.
-Sangue daquele que me condenou a Vida Eterna. - recitou ela e então o mordeu.
Três goles, o suficiente para chegar ao coração, não o bastante para tocar a mente.
Para Marcus aquele momento durou uma vida inteira, muito pouco tempo.
Debora fez uma pequena reverência quando Marcus voltou a dar três passos para trás, então se virou para Viktor que se aproximou dela e levantou a manga de sua túnica branca e imaculada, também lhe oferecendo o pulso.
E Debora sentiu seu corpo tremer por antecipação.
-Ao te deixar tomar da minha veia, permito que teu corpo saiba a qual clã pertence: Ao meu. - recitou Viktor e ao contrário de seu irmão, seus olhos não estavam presos nos da Debora, estavam passeando pelas curvas do corpo dela, e ela se sentiu constrangida, pequena e indefesa enquanto pegava o pulso dele para recitar antes de mordê-lo.
-Sangue daquele a quem servirei eternamente.
O sangue de Viktor era muito mais doce do que o de Marcus, era mais poderoso e chegava a ser embriagador e viciante...
Três goles não foram o suficiente para Debora, mas era o permitido, então ela soltou seus dentes da macia pele do pulso de Viktor e deu um passo para trás.
Sua reverência a ele foi um pouco maior do que a de Marcus.
Viktor se aproximou da mesa, pegou a faca de prata com uma mão e o cálice com a outra e levou até Debora que deu seu pulso esquerdo, a veia do coração, para que fosse cortado.
Ela não sentiu o corte, mas a linha de um vermelho vivo brilhou na escuridão da sala, e o sangue escorreu pelo cálice até o corte se fechar naturalmente, o que não levou cinco segundos.
Viktor levantou o cálice com as duas mãos e recitou:
-Delicioso como o sangue humano, poderoso como o sangue daquele que te transformou e rico como o sangue daquele a quem você servirá pela Eternidade.
E de olhos fechados Viktor bebeu o sangue de Debora, o sangue de Marcus e o seu próprio.
-Debora Spencer, reconheço você como um vampiro de Burns. - depois de dizer isso, Viktor saiu pela enorme porta de madeira seguido por sua misteriosa companheira e pelo seu guarda de olhos famintos.
Marcus se aproximou de Debora que tremia, tirou sua túnica negra como a morte e cobriu o corpo dela.
-Seu corpo está sendo reconhecido, seu sangue sabe disso. Tudo vai ficar bem.
Tranqüilizou ele e Debora assentiu lentamente.
Estava bem, seus membros respondiam atentamente aos comandos silenciosos de seu cérebro, sua garganta ardia um pouco, normal, em sua boca tinha o gosto doce de Viktor e o agridoce de Marcus, mas se sentia suja pelos olhares que levou...
-Obrigada. - disse quando encontrou a voz.
-Exatamente pelo o quê? - perguntou Marcus a arrastando pelo braço para fora da sala.
-Você não me olhou.
Marcus não se sentia honrado por esse agradecimento. Só ele sabia o quanto foi difícil convencer seus olhos a olharem apenas para o olhar de Debora e não para baixo, onde encontraria um corpo perfeito para suas mãos, um corpo nu pedindo para ser tocado.
É claro que ela agradeceria, ela não sabia os pensamentos que passaram pela cabeça dele na última meia hora.
-É o seu corpo, e também é seu o direito de mostrá-lo ou não a quem quiser.
Nem todos pensam assim, respondeu ela mentalmente. No mundo onde vivia e na profissão que exercia, Debora estava acostumada a fazer de seu corpo um instrumento de trabalho, tudo em nome da arte, diziam eles, mas hoje e ali era diferente, ela não estava ali porque o personagem exigia, não estava ali porque queria...
Mesmo tendo que admitir que se Viktor tivesse a olhado dessa maneira em qualquer outra ocasião, não se sentira pequena, muito menos indefesa, iria se sentir poderosa, mas hoje?
Hoje era muito, muito diferente.
Marcus a segurava pelo braço, como se ela fosse cair, sabia que ela estava emocionalmente abalada, todo mundo que passava pela Cerimônia de Reconhecimento ficava fraco física e mentalmente, não era algo que se pudesse evitar, muito menos entender.
Ao se descobrir um vampiro, você tem que começar a acreditar em muitas coisas que nunca pensou existir, Papai Noel pode ser real, quem provará que não?
-Eu sinto meu sangue correr indo direto ao coração, ou saindo dele... É imaginação minha? - rerguntou Debora se deixando ser carregada.
-Não, não é sua imaginação. Como disse, seu corpo sabe o que você é agora, reconhece.
“O que você é”, não quem você é, ela notou isso.
Debora poderia muito bem dizer que os últimos momentos foram os mais inúteis e mais desnecessários de sua vida, mas seria mentira...
Seu corpo reconhecia, cada gota de seu sangue sabia, seu coração batia com esse sangue que tinha certeza de onde vinha, cada músculo de seu novo corpo tremia de uma maneira boa, pois ele sabia, ela sabia agora, ela reconhecia agora a quem pertencia, a quem serviria, o que era, e onde era seu lugar para sempre: BURNS.
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