terça-feira, 24 de maio de 2011

Terça, Hora do Conto (Um Objeto do Passado)


Esse conto agora é da burnicat Patrícia, que escolheu em seu conto o personagem Will.
Um Objeto do Passado

Vampiros não podem entrar sem serem convidados.
Will voltou para a pequena cidade onde morou quando era um humano, voltou porque precisava recuperar um pequeno tesouro que está escondido na casa onde morou...
E isso é muito importante para ele e para conseguir, ele passará por cima de todos que se meterem em seu caminho, mas novas pessoas moram na casa que lhe pertenceu, dentre elas está Patrícia, uma doce menina que não pára de falar um minuto sequer que ele pretende conquistar para poder entrar na sua antiga casa...
Mas as coisas podem mudar quando eles se apaixonam...

 Um

Voltar para cá me fez pensar no quanto eu sou velho, não na aparência, ainda pareço um moleque de dezoito anos e meio, com os mesmos olhos castanhos, a mesma pele lisa com essas malditas sardas que me fazem parecer um garotinho, com a mesma voz grave demais para um cara com a minha aparência... Acho que só a minha voz faz com que eu pareça de fato velho, coisa que sou.
Na rua está tudo mudado, tão, tão diferente...
Agora as casas parecem casas de um desenho, todas iguais por fora, pintas de cores diferentes e os humanos...
Todos tatatatataranetos daqueles que um dia eu conheci.
Mas é aqui eu tenho que estar;
É aqui onde eu vou encontrar aquilo que me faz lembrar do que eu fui um dia, um garoto...
Isso é tão importante pra mim, eu preciso encontrar...
Nem que eu tenha que Matar,
Morrer
Eu vou achar.

Promessa de Will, promessa cumprida.

 Dois _Patricia

-Mãe, quem é que se mudou para casa da esquina? – perguntei fechando a janela da cozinha depois de ter espiado a casa que nunca mais ninguém morou depois que os outros proprietários foram embora.
-Um garoto, eu o vi saindo ontem à noite, deve ter ido para alguma festa pela hora que saiu... – respondeu minha mãe secando as mãos num pano de prato.
“Um garoto”... Aposto que devia ter uns trinta anos, que mania que ela tem de chamar todo cara de garoto...
Bem, se fosse realmente um garoto, esperava que fosse um garoto bonito, de feios já bastavam essas criaturas que eu tenho como vizinhos...
-Mas ele veio morar sozinho? E os pais dele? – perguntei só perguntar, tinha mais o que fazer do que saber da vida dos vizinhos.
-Sei lá, Patrícia, agora me ajude com essas batatas. – disse minha mãe impaciente me passando muitas batatas para descascar.
E como a boa filha que eu era, – na maior parte do tempo, pelo menos na frente dela – eu a ajudei e descasquei.
Mas um pressentimento passou pela minha espinha, me dando um sombrio arrepio...
Algo iria mudar...
Tudo, talvez.
Ou talvez fosse apenas o pressentimento de que minha mãe me faria lavar a louça hoje, droga.

 Três


Eu a vi quando ela estava chegando em casa com seu pai... Ela era baixinha e seu cabelo castanho escuro voava por causa do vento, trazendo para mim o seu cheiro humano... Hmmm... Minha garganta secou... Eu estava com sede, que merda.
E ela olhou para mim, como se pressentisse que eu estava na minha janela a olhando.
E ela sorriu.
Eu sorri de volta.
Ia ser mais fácil do que eu imaginava, por isso que eu amava os humanos, tão bobinhos...
Amanhã à noite eu iria agir, já sabia os horários de sua família, sabia que ela estaria sozinha das seis até as oito da noite... Tempo mais que de sobra para eu entrar, procurar e achar meu tesouro...
Ah, eu estava tão confiante.
Ah, eu estava sendo tão burro.

 Quatro _Patricia

Fechando meu livro de maneira mal-humorada eu desci as escadas para ver quem é que estava tocando a campanhia.
Espiei pelo olho mágico e quase cai para trás. Era o vizinho novo e cara, como ele era lindo.
Não lindo que nem os garotos das revistas adolescentes, ele era diferente, como ou porque, sei lá, mas era diferente.
Mas o que ele queria?
Por mais lindo que fosse, ele ainda era um desconhecido e eu estava sozinha em casa.
A campanhia tocou de novo e eu ainda não sabia o que fazer...
Ah, se fosse algo importante, ele que viesse depois, quando meus pais estivessem em casa, eu que não iria me arriscar e abrir a porta para um cara que apareceu do nada.
Ok, um cara lindo e maravilhoso e blábláblá, mas ainda um cara estranho.
Deixando ele ali fora e tocando a campainha, subi para meu quarto e voltei a ler o livro.

 Cinco

Isso não estava dando certo, isso não estava dando certo, isso estava dando muito errado.
Quem aquela garota pensava que era ao não abrir a porta para mim?
-Está bem Will, calma, calma, respira... Está bem... – eu disse para mim mesmo inspirando fundo e soltando o ar...
Eu tinha um plano B, não precisava entrar em pânico, não ainda.
Agora eu tinha que abordá-la fora de casa... Talvez quando ela tivesse trazendo algumas sacolas pesadas, e eu, o exemplo de cavalheirismo, me voluntária a ajudá-la até em casa, pediria um copo d’água e entraria na casa!
Simples, simples, simples.
Simples e patético, eu sei, eu sei, mas era um plano.

Alguns dias depois eu a vi de novo, dessa vez ela trazia – se preparem – uma grande mochila e estava trocando de ombro toda hora, não sei de onde ela vinha a essa hora, noite já, mas que precisava de ajuda para carregar aquela mochila... O momento era perfeito.
Sai correndo de casa e apareci ao lado dela, surpreendendo-a.
-Oi? – eu disse tentando me lembrar como era falar com os humanos. Não podia falar muito rápido, nem muito baixo.
Ela deu um pulo e me olhou por alguns minutos, aqueles olhos castanhos me encarando com curiosidade, fascinação e um pouco de medo.
-Ah, então você desistiu da historinha de só espiar pela janela e resolveu falar? – perguntou ela querendo parecer forte, mas eu sabia que a minha presença a deixava nervosa.
E que droga, ela sabia que eu andava a observando, quer dizer, eu não estava sendo muito cuidadoso também.
-Sou tímido. – menti tentando não rir.
A pele morena do rosto dela se levantou, num meio sorriso.
-Não acredito nisso. – rebateu ela antes de trocar a mochila de ombro outra vez.
-Deixe que eu leve isso. – eu disse colocando minha mão na dela para pegar a alça da mochila.
Enquanto tocava a mão dela, pude sentir seu sangue correr em direção às bochechas dela, a deixando vermelha e a sua respiração ficando rápida.
Sorri.

Ela me entregou a mochila e continuamos em silêncio por alguns segundos, até ela dizer:
-Você bateu lá em casa esses dias.
-E você não abriu a porta. – rebati sorrindo e tentando fazer com que meus olhos fossem inocentes, gentis e não de um vampiro.
Ela demorou a responder enquanto me encarava e eu tranquei a risada. Humanos são tão fáceis de deslumbrar.
Depois ela deu os ombros, como se não atender à porta fosse algo que ela sempre fizesse.
-Não sei, tenho a impressão de que você quer alguma coisa... – comentou ela quando estávamos quase em sua casa. Tão perto, tão perto...
-Por quê? Os homens só vêm falar com você quando querem alguma coisa? – não sei por que, mas era divertido discutir com ela.
-Eles são homens, é isso que eles fazem. – respondeu ela com tanta certeza, com tanta convicção e bem feminista.
E então uma idéia me atingiu, uma idéia completamente fodida, mas ainda uma idéia...
E se eu contasse pra ela? Claro, sem aquela parte idiota do “eu sou um vampiro”?
-Está certo, eu quero alguma coisa. – disse pegando os dois de surpresa, porque eu nem sabia como falaria. Como faria essa garota entender o que precisava?
Ela se virou e me encarou, curiosidade transbordando dela e ela parecia muito querer falar.
-Eu preciso entrar na sua casa. – foi o que eu disse, era o que eu queria, era o eu precisava.

 Seis _Patricia

Eu parei e continuei o encarando. Ok, ele queria entrar na minha casa. Ok, ok, respira, respira...
-Por quê? – consegui perguntar. Não era todo dia que um cara desses pedia para entrar na minha casa, quer dizer, isso era bizarro, me dava medo, mas bem na boa?
Me deixava ... excitada. Ok, preciso respirar.
-Tem algo meu lá dentro, algo muito importante pra mim. – me respondeu ele fazendo aquilo com os olhos novamente. Não sei explicar o que era, mas era como se ele colocasse inocência, pureza e todas essas coisas naqueles olhos castanhos com cor de madeira.
E ele ainda tinha sardinhas minúsculas em seu nariz e embaixo dos olhos... Era tão bonitinho...
-O que pode ter lá dentro? – perguntei enquanto subíamos a pequena escada que levava até a minha porta. Eu não ia deixá-lo entrar, é claro que não.
-Algo que me pertence, um tipo de tesouro sentimental, eu o deixei ai quando morava na sua casa, ela já foi minha. – quando ele disse isso, eu tive vontade de rir. Sério, rir muito.
-Meus avós moravam nessa casa, você tem o que, cento e poucos anos por acaso? – ele não achou graça da minha piada, ele apenas se aproximou ainda mais, ficando bem perto de mim e me olhou nos olhos enquanto dizia:
-Você vai me convidar para entrar, não vai? – perguntou ele, mas não soava como uma pergunta, era como uma ordem e seus olhos estavam tão dentro do meu...
-Ah... Eu... – eu estava balbuciando e não sabia por que.
-Abra a porta e diga: entre. E seremos felizes. – ordenou ele e eu iria fazer isso, é claro que eu iria, mas...
Meu celular começou a tocar quebrando qualquer tipo de feitiço que ele estava tentando me jogar.
-Fim dos tempos! – gritou ele olhando de maneira perigosa para o aparelho na minha mão e saiu correndo, sumindo entre as árvores do outro lado da rua.
Sim, ele era estranho.
Mas sim, ele era lindo e...
Completamente louco.

 Sete 

Eu bati na porta, eu sabia que ela estava lá dentro e ela iria me deixar entrar dessa vez, ah, se iria.
A porta se abriu e ela me encarou por alguns minutos.
-Oi? – eu disse sorrindo.
-O que você quer exatamente? – me perguntou ela que estava com um livro na mão.
-Eu quero entrar. – respondi.
-Não há nada seu aqui, você sabe, admita... – retrucou ela revirando os olhos.
-Há sim, me deixe entrar... – eu estava soando desesperado, eu sabia, mas tentava fazer com que minhas palavras grudassem no cérebro dela até ela me deixar de fato entrar.
-Por que você não tenta passar por cima de mim? – ela estava brincando, mas havia medo em sua voz e eu admirei por ser tão corajosa.
-Eu não posso entrar onde não sou convidado. – rugi de mau humor, a idéia de passar por cima dela estava realmente me parecendo atraente, mas eu não podia entrar naquela maldita casa. Na minha casa.
-Ou você é muito educado ou é um vampiro. – brincou ela apesar de parecer assustada com meus olhos brilhando de fúria.
-Sou um vampiro e preciso entrar para pegar aquilo que é meu, nem demorarei e você nem se lembrará de mim depois. – eu esperava que ela risse ou algo assim, mas ela estremeceu e eu sabia que ela acreditava em mim. Sim, ela devia ser louca, mas acreditava.
-Está bem, entre. – disse ela abrindo a porta ainda e eu entrei.

 Oito _Patricia

Se ele encontrasse logo “essa tal coisa” que lhe pertencia, mais cedo ele iria embora e eu poderia ir dormir sem ter que pensar nele...
Oops! Apesar de o cara achar que é um vampiro, falar que morou na minha e essas coisas, ele era tão bonitinho e parecia tão indefeso e eu não conseguia parar de pensar na maneira como ele esteve tão perto ontem ou como sua mãe tocou na minha.
O coitadinho tinha problemas, era isso, e eu não podia bater mais a porta na cara de um doente.
Ele ficou analisando cada pedacinho da minha casa, olhando a sala, a cozinha e o corredor com olhos que sabem o que está fazendo, ou não.
-Tudo está tão diferente... – comentou ele parecendo frustrado e... Velho?
Sim, seu semblante parecia de um homem de quarenta e poucos anos e seus olhos pareciam muito mais escuros...
Era estranho me sentir atraída por um cara tão mais velho, aliás, essa historia de chamá-lo de “cara” estava irritando.
-Qual é seu nome? – perguntei me dando conta que tinha – literalmente – posto um cara para dentro de casa sem ao menos saber seu nome.
Ele me olhou e sorriu, como se soubesse no que eu estava pensando.
-Will e você? – me perguntou ele parecendo envergonhado por não ter perguntando antes.
-Patrícia. – respondi. O sorriso dele me deixava sem graça.
Eu devia me sentir atraída por um maluco que às vezes parecia ter quarenta anos e que pior, acha que era um vampiro?
Talvez a maluca nessa história seja eu.
Eu perguntei o que exatamente ele procurava, ele disse que eu veria quando encontrasse, eu perguntei qual era essa de ser um vampiro e ele riu, explicando que ser um vampiro não era como nos filmes, mas que ele não podia mesmo sair no sol e que era imortal.
Ele bebia sangue. Ele bebia sangue humano. E eu acreditei nele, ok, podem me crucificar, mas a história dele parecia tão real, tão verdadeira e ele contava tudo com tantos detalhes, era como se eu estivesse vendo fotos daquela época quando ele morou na minha casa e...
Ele não calava a boca, sério, nunca vi alguém falar tanto, devia ser porque ele não precisava respirar com tanta freqüência, mas ele não ficava quieto nenhum momento, perguntando sobre minha casa, sobre cada cômodo, cada detalhe ou comentando cada um de seus passos como um narrador de futebol.
Mas estranhamente ele se calou e me olhou com os olhos arregalados, como se lembrasse de onde estava, com quem estava e o que estava fazendo.
-Seus pais chegaram. – ele me disse e eu entrei em pânico.
Como eu ia explicar para eles que tinha um vampiro em sua sala?

 Oito

Eu vi os olhos dela se arregalem, eu a vi ficar assustada de verdade e me deu uma vontade louca de rir.
Aquela garota era maluca, além de dar papo para um vampiro, ela parecia completamente em pânico com o simples fato dos pais dela me encontrarem ali, era adorável.
Hei, Will, lembre-se que ela é uma moça solteira, uma jovem, não é um simples fato, então eu me senti completamente envergonhado.
-Acho que as coisas não mudaram muito desde a minha época onde moças solteiras não poderiam ficar sozinhas em casas com rapazes. – eu disse ficando de pé e me dirigindo a janela.
-Muito menos com vampiros. – brincou ela e eu desapareci.

Mas eu voltei na noite seguinte, enquanto os pais de Patrícia não estavam em casa.
Eu voltei durante várias noites, até que eu me lembrei que eu não estava naquela cidade para tomar chá e bater papo com uma humana que falava demais, não, eu estava ali para recuperar aquele meu pequeno tesouro, aquilo que esteve comigo durante madrugadas escuras e chuvas fortes.
Eu tinha que encontrá-lo e parar com essas visitinhas...
Mas sinceramente, enquanto eu conversava com Patrícia, eu me esquecia de tudo, eu simplesmente tinha que ficar ali com ela, ver como seus lábios se mexiam compulsivamente enquanto ela fala, ficar ali por perto, inventar desculpas para esbarrar minhas mãos nas dela, ou tentar e tentar fazê-la rir.
Mas isso tinha acabar e ia acabar agora.

 Nove _Patricia


Ele não veio essa noite, não que eu tenha ficado esperando... Sim, eu fiquei esperando, droga, eu ainda estou esperando...
Cadê ele?

 Dez

Por uma semana eu fiquei entrando na casa dela sem ela saber, enquanto todos dormiam, eu revistei a casa inteira, cada cantinho, cada dobrinha do piso de madeira que duraria para sempre... Eu revirei armários trancados e me tranquei no porão e no sótão...
E nada.
Nada.
Nada.
Acho que estava na hora de eu ir embora.

 Onze _ Patricia

Eu senti um cheiro bom perto de mim e um leve farfalhar de roupas... E uma coceira chata no nariz que estava me deixando com vontade de espirrar.
Abri os olhos e o encontrei ao lado da minha cama, passando uma pena no meu rosto.
-O que você está fazendo? – perguntei bem idiotamente, ele estava me incomodando, era isso que ele estava fazendo.
Mas eu não me importava, ele havia voltado... Uma semana sem ele e eu já estava com tanta saudade como se eu tivesse o conhecido durante minha vida inteira.
Isso me assustava e me fazia pensar que eu estava me tornando uma daquelas mocinhas dos livros românticos.
Bem, elas ficam com os caras gostosos no final, não ficam?
Ele revirou os olhos e colocou um dedo sobre seus lábios, me mandando ficar em silêncio.
-Fale mais baixo, vai acordar a casa toda e vão achar que você é maluca por estar falando sozinha de madrugada. – disse Will sorrindo, fazendo seu nariz enrugar e as sardinhas que ele não gostava se mexerem.
Sim, eu sabia do que ele gostava e do que ele não gostava.
Sim, eu o achava um fofo.
E sim, ele era muito estranho e paranóico, mas como ele era o único vampiro que eu conhecia, eu não podia dizer se ele era normal ou normal.
Mas só entre nós, ele não devia ser muito normal.
-Mas eu não estou falando sozinha, eu estou falando com você. – teimei me sentando na ama e me cobrindo com o edredom.
Ele revirou os olhos mais uma vez e analisou o quarto como sempre fazia.
-Esse era o meu quarto, sabia? – perguntou ele pela milésima vez. Sim, eu já sabia que era o quarto dele, ele já havia contando a mesma historia tantas e tantas vezes, mas eu gostava de ouvi-lo falar, além do mais, não é como se eu tivesse muita escolha.
Era só o que ele sabia fazer.
E agora ele estava falando de uma de suas manias de quando era humano, de fechar e abrir tudo três vezes antes de deitar.
-Você sempre foi estranho. – comentei quando ele terminou.
-Não sou quem está conversando com um vampiro em seu próprio quarto. – rebateu ele sorrindo, mas seu sorriso logo morreu quando ele olhou para uma manchinha na parede.
Tinha algo ali.

 Doze

Esperança brotou no meu peito enquanto eu encarava aquela rachadura na parede, mas veja bem, eu não burro, sei que a casa passou por milhões e milhões de reformas desde que eu fui embora, sim, eu sei disso, mas no meu quarto costumava ter numa das madeiras da parede uma rachadura, era como uma tábua solta na verdade, eu guardava muitas coisas ali...
O rum que eu roubava do escritório do meu pai era uma delas.
-O que foi? – perguntou Patrícia se levantando para se aproximar de mim. Eu estava com sede havia dias e ela estava tão perto, que merda.
Parando de respirar, eu me afastei dela e cheguei bem perto da parede, quase grudando meu nariz contra a madeira gelada.
Bati na madeira e ouvi o baixo som que me dizia que estava oco e Patrícia comentou:
-Parece que essa parede sempre foi assim, nunca conseguiram consertar... – a voz dela estava despreocupada enquanto meu coração bombeava esperança.
-Que bom... Já era assim no meu tempo... – eu disse continuando a bater levemente na parede para encontrar algum tipo de abertura para eu poder puxar.
-Você diz isso porque não é sobre a sua cabeça que o teto pode cair. – ela rebateu se aproximando de mim novamente. Minha garganta reclamou.
Antes que eu a atacasse ou perdesse minha concentração, me joguei contra a parede, fazendo um estrondoso barulho e acordado todo mundo.

 Treze _Patricia

Fiquei ali que nem uma retardada enquanto ele se jogava contra a minha parede, quebrando a madeira antiga e resistente.
O que ele pensa que está fazendo?
-Will! – gritei em vão, pois ele começou a procurar alguma coisa entre os destroços.
Destroços. Minha parede. Meu quarto. Eu iria morrer, certo.
-Seus pais estão vindo aqui, não os deixem entrar. – foi tudo que ele me disse enquanto catava aquela tal coisa dele com tanto esmero.
-Ah, e como é que eu vou fazer isso? – perguntei entrando em pânico.
-Fale com eles, é o que você mais gosta de fazer, não é, falar? – respondeu ele de maneira ríspida e eu joguei meu travesseiro nele. Ah, como se ele fosse sentir.
Abri a porta do quarto e sai, não deixando meus pais entrarem.
-O que foi isso? – rugiu meu pai tentando entrar, não deixei.
-Eu joguei uma bota na parede. – improvisei.
-Por quê? – me perguntou meu pai me encarando como se eu tivesse ficado louca, talvez eu estivesse ficando louca mesmo. Eu estava escondendo um vampiro no meu quarto, isso era um sinal?
-Era uma barata gigante, sabe como é... – eu respondi e ele continuou me olhou por alguns minutos...
-Tente não quebrar nada, está bem? – disse ele e eu assenti torcendo para que ele sumisse no quarto dele e da minha mãe.
Voltei para o quarto e encontrei Will ajoelhado e abraço em algo enquanto grossas lágrimas rolavam pelo seu lindo rosto.
-Você encontrou? – perguntei me aproximando.
-Sim. – ele disse abrindo os braços para me mostrar o que era e eu quase cai para trás.
Era um ursinho de pelúcia.
Um ursinho de pelúcia feio.

 Quinze

Sabia que a garota estava me olhando como se eu estivesse louco, eu sabia, mas não me importava com isso, eu finalmente, finalmente tinha encontrado meu pequeno tesouro.
Ele só estava um pouco sujo, velho e fedorento, mas ainda era o mesmo que eu encontrei no quarto do meu irmão quando eu voltei para casa depois de ter sido transformado...
Mas eu não ia explicar essas coisas para Patrícia, não agora, talvez um dia...
Talvez um dia... A idéia de vir encontrá-la toda noite era tão bonita e tão...
Estranha.
Eu e ela começamos a falar ao mesmo tempo e muito e ficamos horas e horas assim, enquanto eu segurava meu urso com as duas mãos, mas eu percebi uma coisa...
Não era nele que eu queria colocar as mãos...
Estranho, não?
Soltei o ursinho, o colocando em cima da cama dela.
Estranho era o que ia fazer agora...

 Dezesseis _Patricia

E do nada ele ficou quieto, o que é muito estranho para alguém como ele. Will largou o maldito ursinho na minha e me olhou.
Sério, olhou, não como você olha para alguém qualquer... Ele olhou, olhou mesmo, fundo... Aqueles olhos castanhos estudaram minha garganta exposta e eu senti meu sangue correr mais rápido, como se cada gota de mim quisesse pular para o corpo dele.
Ele se aproximou de mim, colocou seus dedos na minha bochecha, a outra mão estava na minha nuca, embolando meu cabelo dormido e disse me olhando nos olhos:
-Tem um provérbio chinês que diz que quando duas pessoas falam demais, só há uma maneira de parar isso...
-E o que é? – perguntei sentindo meu coração bater forte, explodindo.
-Isso... – respondeu ele me beijando. No início foi apenas um encostar de lábio no lábio, mas eu abri a boca, querendo sentir a quentura de seus lábios, a molhada língua, a firmeza de seus dentes contra a minha pele...
Foi um beijo longo, longo, longo... Eu não lembrava o que era respirar.
Mas acabou, tudo acaba.
-Você inventou isso, não foi? – perguntei entrelaçando meus dedos nos dele.
-O que, o provérbio? Ah, claro que sim, nunca fui à China, eles comem cachorro. – respondeu ele primeiro sorrindo, depois com uma expressão de nojo.
-Você come pessoas. – rebati.
-Isso é diferente. – disse ele parecendo de mau humor e eu sorri.
Mas antes que pudéssemos entrar em mais uma daquelas inúmeras discussões que tínhamos sobre qualquer coisa que duravam horas e horas, ele me puxou pra si mais uma vez e me beijou.
E não paramos com isso até o dia amanhecer e ele ter que sumir.

 Dezessete

No outro dia eu voltei para a casa de Patrícia.
Eu a ajudei a arrumar seu quarto antes que seus pais vissem.
Eu a ajudei a destruir a outra parte do quarto e, meu Deus, ainda bem que eles não viram e nem ouviram.
Sim, éramos pecadores e, homem, eu estava adorando pecar.
O sangue dela, o cheiro dela, o corpo dela, ela...
Não sei como seria daqui para frente, se eu teria que transformá-la algum dia, mas não me importava, estávamos vivendo cada noite, cada instante...
No fim, eu encontrei um outro tesouro ao buscar aquele meu tesouro do passado.
Patrícia era meu tesouro e seria assim por muito, muito tempo...

FIM.

- Se você gostou, comente. Isso é importante e me faz sorrir.

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